Um medicamento lançado no Brasil em 2019 para o tratamento de diabete tem sido utilizado indiscriminadamente para a perda de peso. Isso acontece, muitas vezes, sem prescrição médica nem acompanhamento especializado de possíveis efeitos colaterais, como vômitos, problemas intestinais e no fígado. O uso indevido está sendo impulsionado por grupos no Whatsapp e no Facebook formados por pessoas que trocam dicas e relatos.
A empresária Luciana Manzo, de 48 anos, demorou a tomar coragem para iniciar o tratamento
Foto: TABA BENEDICTO / ESTADAO
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Alguns consultam endocrinologistas antes de tomar o semaglutida (nome genérico do medicamento). Outros iniciam o uso seguindo só orientações obtidas na internet, o que eleva o risco de efeitos indesejados.
No Facebook, um grupo fechado para falar sobre o Ozempic, nome comercial do produto, já soma mais de mil membros. Embora em sua descrição, a página não fale especificamente sobre o uso para a perda de peso, praticamente todos as publicações dos membros são sobre emagrecimento.
São frequentes na página relatos do histórico de quilos perdidos e da ocorrência de sintomas indesejados; indicações das doses mais adequadas para cada caso e até anúncio de pessoas revendendo o remédio. No WhatsApp, as publicações são semelhantes, mas os participantes também trocam dicas de alimentação saudável e mensagens incentivando colegas a seguirem com o objetivo da perda de peso, mesmo após dietas com pouco resultado ou efeitos colaterais do medicamento.
Segundo médicos, o remédio tem atraído cada vez mais adeptos porque, além de poder ser comprado sem receita, só exige uma aplicação semanal (ao contrário de outros medicamentos, que devem ser tomados ou aplicados diariamente).
“Algumas pessoas que usavam outros remédios estão migrando para esse por causa da praticidade do uso semanal, mas é muito perigosa a automedicação”, destaca Lívia Porto Cunha, endocrinologista do Centro Especializado em Obesidade e Diabetes do Hospital Alemão Oswaldo Cruz.
“Esse remédio até pode ser prescrito para obesidade na condição off label (quando o medicamento é indicado para algo diferente do expresso na bula), mas toda indicação desse tipo tem de ser muito criteriosa, feita por um especialista que vai avaliar os possíveis benefícios e potenciais efeitos colaterais”, explica a médica.
Acompanhamento médico é fundamental, diz especialista
Diretor do Departamento de Obesidade da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia e presidente da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e Síndrome Metabólica, Mário Carra concorda e ressalta que o acompanhamento médico é importante porque nem todos os pacientes respondem da mesma forma.
“As pessoas querem tratar a obesidade sem ir ao médico. Acontece que as doses podem ser diferentes para cada paciente e há riscos e contraindicações”, destaca.
Conforme os médicos, entre os efeitos colaterais mais comuns estão enjoos, vômitos e alterações intestinais, podendo o remédio causar tanto constipação quanto diarreia. “O remédio é um análogo de um hormônio que retarda o esvaziamento gastrointestinal, então a pessoa se sente mais cheia, saciada. Se ela mantém o hábito alimentar de antes, comendo a mesma quantidade de comida, pode ter esses efeitos colaterais”, afirma Lívia.
Especialistas ressaltam ainda que o remédio é restrito para gestantes, mulheres que amamentam, pessoas com problemas no fígado ou pâncreas ou com histórico de câncer de tireoide na família. “Há também risco de alergia a algum componente do remédio ou reação inflamatória no lugar da picada”, diz Carra.
Outro problema do uso sem orientação médica é a rápida recuperação do peso perdido após a suspensão do uso. “Quando o alicerce do tratamento é apenas medicamentoso, há grande risco de novo ganho de peso ao fim do tratamento”, diz Lívia. Ela ressalta que a estratégia para perder peso com remédios deve ser complementada com dieta e atividade física.
O laboratório farmacêutico Novo Nordisk, fabricante do Ozempic, afirmou que “de nenhuma forma endossa ou apoia a promoção de informações de caráter off label” e ressaltou que “o medicamento não foi aprovado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para o tratamento da obesidade”.
Fonte: Estadão