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SC: De onde vem o que eu como: pecuaristas focam em gestão e testam até 'sutiã' para aumentar a produção de leite no país


O leite é uma das riquezas do campo do Brasil, está presente em mais de 1 milhão de propriedades rurais e em cerca de 99% das cidades do país.

Com faturamento de mais de R$ 40 bilhões em 2019, medido pelo índice de Valor Bruto da Produção (VBP) do Ministério da Agricultura, o setor produziu mais de 34 bilhões de litros de leite em 2019.

A pecuária leiteira é uma atividade pulverizada, espalhada de pequenos a grandes criadores, e, por ter essa dimensão, um dos principais desafios é conseguir produzir mais litros de leite por animal para que a renda obtida consiga manter essas pessoas no campo.

Algumas iniciativas já existem, como um projeto que capacita técnicos agrícolas a melhorar a gestão em fazendas produtores de leite.

É gente que busca inovar, como uma criadora que está desenvolvendo uma espécie de ‘sutiã’ para as vacas com o objetivo de garantir mais conforto para os animais e, assim, conseguir produzir mais.

O uso da tecnologia, porém, ainda não é uma realidade para todos os criadores do país. Geraldo Borges, presidente da Associação Brasileira dos Produtores de leite (Abraleite), explica que o país tem uma média de produção muito baixa ainda: 5 litros de leite por animal ao dia.

Enquanto isso, a Nova Zelândia, uma das referências mundiais na atividade, produz cerca de 15 litros diariamente, e Israel chega até 32 litros diários usando técnicas mais intensivas de criação.

O dirigente afirma que o apoio do governo que os produtores necessitam é em investimentos para que as Ater’s, empresas públicas focadas em assistência técnica rural, consigam atender mais e melhor os criadores.

“Precisamos de uma intervenção pública para que os pequenos produtores tenham mais assistência técnica, pois eles não têm condições de contratar uma. É papel cobrar dos governantes que não exista sucateamento dessas Ater’s”, explica Borges.

Existem também outros desafios para a atividade leiteira, como estimular o aumento ao consumo de lácteos e a concorrência com produtos vegetais (leia mais abaixo).

O balde meio cheio
 
Se o que não falta é desafio, pelo menos existem projetos que "correm" atrás de soluções. Um deles é o Balde Cheio, desenvolvido pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e que existe há mais de 20 anos.

A iniciativa surgiu em 1998, em São Carlos, no interior de São Paulo. Na época, o pesquisador Artur Chinelato dava palestras pelo país para incentivar os criadores a produzirem mais e com mais qualidade.

Após uma apresentação no município de Quatis (RJ), ele foi surpreendido por um pecuarista.

Chinelato, o idealizador, explica que o objetivo do projeto é treinar e capacitar técnicos agrícolas para as boas práticas na produção de leite, para que depois ele ajude o pecuarista na tomada de decisão e, claro, a ter mais produtividade.

“É um trabalho social, de recuperação de pequenas propriedades, é uma metodologia que serve para qualquer um”, afirma.

“Existe todo um processo de recuperação. A situação começa dramática, com pessoas e animais passando fome”, diz André Novo, coordenador do Balde Cheio.

Novo explica que, após a situação difícil, a transformação começa a ocorrer aos poucos, mas ele lembra de que os resultados também não imediatos, afinal a mudança é profunda na forma como o pecuarista produz. “Não é uma receita de bolo”, acrescenta.
 
A metodologia passa por conceitos básicos da produção de leite, como manejo de pastagem, reprodução dos animais e genética. “É como se fosse um curso de aperfeiçoamento do técnico”, explica Chinelato.

Já para o produtor de leite, para participar do programa, ele deve seguir algumas tarefas. Não existe contrato ou imposição, todos os passos são combinados entre o agrônomo e o criador.

A sugestão é que o pagamento do profissional seja o valor de um dia por mês da produção de leite, para que, assim, técnico e produtor se motivem a buscar mais litros por animal.

“O que a gente pede é para que o agricultor faça exames de brucelose e tuberculose nos animais, porque nenhuma empresa de pesquisa pode trabalhar com animais doentes”, afirma Chinelato.

Uma delas é do criador Claudinei Saldanha Junior, que tem uma fazenda de 26 hectares em Itirapina (SP). Formado em administração e filho de produtor rural, ele começou na atividade em 2005 e, após ter um primeiro ano ruim, logo decidiu procurar o projeto da Embrapa.

“De 2006 para 2007 já sentimos a necessidade de ajuda técnica, procurei o André (Novo) e a ajuda da Embrapa”, relembra. Saldanha Junior considera que a entrada no projeto foi um “divisor de águas”.

Ele afirma que aprendeu a gerir melhor o fornecimento de alimentos para o animais, produzir um pasto de qualidade e trabalhar para melhorar a genética dos animais, cruzando vacas e touros mais produtivos.

Após os primeiros anos contando com ajuda do Balde Cheio, Saldanha Junior decidiu converter a produção para a de leite orgânico em 2013 . Incentivado por um comprador local em busca deste tipo de alimento, foi um dos pioneiros da região.

A produção de leite orgânico exige que os pecuaristas não utilizem nada químico na atividade. Ou seja, as pastagens devem ter apenas adubos naturais e pesticidas biológicos, sem uso de medicamentos veterinários, apenas tratamentos homeopáticos.

Como são poucos, os laticínios buscam ajudar os pecuaristas a ingressarem nesse nicho, que é enxergado com grande potencial. O mercado de alimentos orgânicos movimenta cerca de R$ 3,5 bilhões por ano.

Atualmente o criador é um dos quase 40 produtores do interior de São Paulo que fornecem leite orgânico para uma multinacional do setor.

Mesmo com o apoio da gigante, Saldanha Junior não deixa de trabalhar em parceria com a Embrapa. Ele é um dos primeiros a testar novas iniciativas dos pesquisadores e pede a ajuda deles para algumas tomadas de decisão.

A última foi a decisão de construir um galpão para aplicar a técnica conhecida como "compost barn", que seria uma espécie de grande celeiro para que as vacas possam descansar e se alimentar livremente. A iniciativa é focada no bem estar dos animais para que, mais relaxados, possam produzir mais.

“Foi um investimento que exigiu 2 vezes o faturamento mensal, fizemos sem nenhum financiamento, só gestão. E, após 6 meses para construir o galpão, estamos com ele funcionando há cerca de 30 dias já”, diz.
 
Após cerca de 15 anos no projeto, Saldanha Junior saiu de uma produção diária de 300 litros de leite convencional ao dia para cerca de 900 litros por dia de leite convencional, que exige mais cuidados e costuma ter uma produtividade menor.

O projeto, que conta com o apoio do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) e do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar) em diversos estados, conquistou outros países e técnicos de Equador e Colômbia também já foram treinados pela Embrapa.


Sutiã para vaca
 
Outro desafio da produção agropecuária no país é a busca por novas técnicas. Uma delas está sendo testada no Sul de Minas Gerais e é bem inusitada: um “sutiã” para vacas.

O motivo é que o acessório ajuda no bem estar de vacas mais velhas ou das que tiveram bezerros recentemente e perderam a sustentação da linha do úbere, que é a região onde ficam os tetos da vaca.

Sem essa sustentação, fica desconfortável para as vacas andarem, os tetos ficam mais expostos a doenças e o animal perde produtividade. A ideia, então, é que esse "sutiã" dê mais conforto e, assim, o animal consiga entregar mais leite.

Eveline conheceu a técnica em 2019, durante viagem à Islândia. Ao ver um animal com o acessório, ficou curiosa e pediu explicações para a proprietária. Decidiu levar um exemplar para testar na propriedade da família, localizada no município de Serrano.

Após alguns testes, decidiu reproduzir o sutiã e depois criou um terceiro protótipo. A dificuldade, explica ela, está em encontrar os materiais certos, já que ele não pode enferrujar, não pode esquentar muito e ainda ser resistente à rotina da vaca.

A ideia é, após finalizar os testes, começar a vender o acessório para outros pecuaristas.

Eveline também quer levantar os números de produtividade para mostrar para os criadores que vale à pena investir no "sutiã". Mas ressalta que ele não é a solução de todos os problemas, só atende a um problema específico da vaca.

“O sustentador não faz milagre, não adianta usar em animais que não são bons geneticamente, ele não corrige isso. Não é para todos os animais”, explica.

Ela destaca ainda que não existe comprovação científica de que o acessório cure a mastite, que é uma das principais doenças da vaca, mas relata que, ao não esfregar os tetos no chão, o animal consegue pelo menos diminuir o risco de infecções no local.

Para a ordenha, a criadora explica que o sustentador possui hastes ajustáveis e que fáceis de retirar, então não é algo que demanda muito tempo do funcionário.

Outra preocupação é com a adaptação dos animais. Eveline disse que, no começo, as vacas estranham, mas que isso não dura muito.

“Vaca gosta de rotina e, se você mudar a rotina, ela ‘esconde o leite’, mas a adaptação pode demorar cerca de 12 horas, depende muito do animal. Quanto mais tranquilo, mais rápido”, diz.

 
Desafio do consumo

A busca por produtividade e renda na atividade do leite é constante, mas de nada adianta ter mais alimento no mercado se não houver consumidor.

Desde de 2015, o Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada da USP (Cepea) vem relatando queda no consumo de produtos lácteos.

O motivo foram as crises econômicas no período. Como iogurtes e queijos, por exemplo, são considerados “artigos de luxo” na alimentação, muitas famílias abriram mão desses produtos.

Um alento para o setor foi o aumento do consumo das famílias nos lares durante a pandemia de Covid-19.

De acordo com levantamento feito pela Embrapa junto com a Abraleite mostrou crescimento na procura por queijos, iogurtes, manteiga, leite condensado, leite longa vida e leite em pó durante o período de isolamento social.

Um terceiro passo é conseguir apoio do governo federal para baratear a entrada de equipamentos mais modernos para a produção. A ideia do setor é conseguir ter mais competitividade para conseguir se tornar exportador.

Por fim, outro desafio que preocupa a atividade é a concorrência com os chamados “leites veganos”, que são aqueles a partir de nozes, por exemplo.

A Abraleite tenta na Câmara dos Deputados e com o governo federal criar uma lei que proíba que esses produtos utilizem nomes ligados a produtos lácteos, como leite, queijo, manteiga e afins.

“Isso gera confusão na cabeça do consumidor”, argumenta Borges.

 
Apesar de um cenário de desafios pela frente, quem é produtor de leite se considera um apaixonado pela atividade.

“Se você não tem paixão pelo leite, você não continua. Muitos amigos acabam desistindo, seja pelo custo, pelo tempo. É uma atividade que não tem descanso, de domingo a domingo a vaca está dando leite do mesmo jeito. É um trabalho apaixonante, mas requer investimentos”, lembra Eveline Zuniga.



Fonte: G1