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Dexametasona já é usada no Brasil em casos de Covid-19

Mesmo assim, fármaco é usado apenas em casos graves


Dexametasona já é usada em tratamento de casos graves da Covid-19 no Brasil Foto: EFE/Sebastião Moreira

Hospitais brasileiros já utilizam a dexametasona e outros corticoides dentro do arsenal de terapias farmacológicas para o doente grave de Covid-19 e devem ampliar o uso a partir dos resultados de estudo da Universidade de Oxford apontando que a droga reduz a mortalidade de pacientes internados.


O uso off label (fora da bula, sob responsabilidade do médico) da medicação foi sugerido por uma diretriz de três sociedades médicas (de medicina intensiva, de infectologia e de pneumologia) no início da pandemia no Brasil, quando ainda não havia evidências contrárias ou favoráveis a ela.


No documento consta que o remédio não deve ser usado na fase inicial da doença. Entre o sétimo e o décimo dia da infecção, poderia ser utilizado em casos selecionados de pacientes internados para controle da inflamação causada pela Covid-19.


Segundo a médica Suzana Margareth Lobo, presidente da Associação de Medicina Intensiva Brasileira (Amib), o novo estudo traz mais segurança ao estabelecer doses recomendadas da dexametasona para doentes em suporte de oxigênio e em ventilação mecânica.


– Muitos intensivistas já vinham usando em doentes com síndromes respiratórias agudas graves. A gente usava em doses mais altas. Agora pode entrar em paciente em ventilação mecânica, mas não só nos muito graves. Provavelmente será usada em maior escala – afirmou.


O médico Luciano Cesar Pontes de Azevedo, superintendente de ensino do Hospital Sírio-Libanês e coordenador do estudo sobre o uso da dexametasona na Covid-19 no Brasil, diz que o fato de a droga estar sendo muito utilizada durante a pandemia acabou atrasando o recrutamento de pacientes para a pesquisa.


– Muitos pacientes chegavam já fazendo uso há três, quatro dias e a gente não conseguia incluir no estudo [para a inclusão, eles precisam ser ‘virgens’ da terapia] – afirma.


Segundo ele, nas últimas semanas os hospitais diminuíram o interesse pela hidroxicloroquina, cujos estudos não encontraram evidência de eficácia, e optaram mais por corticoides e anticoagulantes.


– São os dois tratamentos off label da Covid mais utilizados no momento. Mas evidências mesmo só começam a ser geradas agora, a partir do Recovery [o estudo britânico] – declarou.


De acordo com o infectologista Esper Kallás, professor da USP, no Hospital das Clínicas o uso de corticoides já é sugerido em casos mais graves.


– O estudo confirma o que nós já havíamos percebido: para aqueles casos mais graves, com comprometimento pulmonar mais extenso, com insuficiência respiratória, um pouco de corticoide ajuda – apontou.


O hospital tem usado outros corticoides, como metilprednisolona e hidrocortisona.


– Na pneumologia há preferência pela metilprednisolona porque ela penetra melhor nos pulmões. Nas inflamações do cérebro, a preferência é pela dexametasona. O uso do corticoide deve ser personalizado, e não usado de forma indiscriminada – diz Kallás.


No mercado mundial há 60 anos, a dexametasona já não tem mais patente e é de baixo custo. Em maio, foram vendidas no Brasil 1,7 milhão de caixas da medicação, fabricadas por 27 farmacêuticas. A caixa com dez comprimidos custa em torno de R$ 7. O remédio é usado contra doenças inflamatórias e respiratórias, reumatismos, alergias, entre outros.


A preocupação dos médicos é que pelo fato de ser uma droga barata e de fácil acesso haja corrida às farmácias a exemplo do que se viu com a cloroquina e a hidroxicloroquina. O medicamento não é indicado para casos leves de Covid-19, como já advertiu a Organização Mundial da Saúde (OMS).


– O estudo é bastante claro nas indicações. É para paciente hospitalizado, internado, que precisa de oxigênio ou ventilação. Não é para casos leves ou prevenção – diz Lobo.


Ela diz que a droga pode causar efeitos adversos, como aumento da glicemia e da pressão arterial, o que pode descompensar os pacientes diabéticos e hipertensos, além de hemorragias digestivas. O estudo britânico apontou redução do risco de morte em 35% em pacientes em ventilação mecânica e em 20% nos que dependiam de oxigênio.


– Os resultados são muito bem-vindos, mas não representam cura – adiantou.


Para Lobo, será preciso medir o impacto real da terapia na prática clínica.


– Pode ser até menor do que o demonstrado no estudo [que foi controlado] porque muitos médicos aqui já vinham utilizando a medicação – disse.


Kallás tem a mesma percepção.


– O efeito é bom, mas não é essa maravilha toda. Reduziu a mortalidade em até 35%. E, na doença mais precoce, em vez de ajudar, pode atrapalhar – alertou.


Segundo ele, isso reforça conceito básico na infectologia.


– Com a infecção na fase inicial, o sistema imune tem que estar funcionando bem para eliminar o vírus. Se der corticoide, você diminui um pouco a capacidade do organismo de combater [a infecção] – declarou.


Como a Covid é doença bifásica, ou seja tem a fase virêmica no início e a inflamatória depois, o corticoide só está indicado para a fase mais tardia da infecção.


Para o biomédico Renato Sabattini, professor na Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública, é preciso que as pessoas entendam que a cura de pacientes graves com Covid é resultante de um conjunto enorme de medidas terapêuticas, aplicadas por profissionais e recursos intensivistas por longo tempo.


– Corticosteroides de forma nenhuma são milagrosos. Muita gente vai continuar morrendo mesmo tratada – afirmou.







*Claudia Collucci/Folhapress