Deus não habita numa alma cheia de bugigangas
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Neste tempo da Quaresma, a Igreja nos faz repetidas chamadas para que nos desprendamos das coisas da terra e assim acumulemos o nosso coração de Deus. Em Jr 17,7-8, nos diz: “Bendito o homem que deposita a sua confiança no Senhor e põe n’Ele a sua esperança. Assemelha-se à árvore plantada perto da água, que estende as suas raízes para o arroio. Quando chegar o estio, não o temerá, e a sua folhagem continuará verdejante. Não a inquieta o ano de seca; continua a produzir frutos”. O Senhor cuida da alma que colocou n’Ele o seu coração.
O Senhor deseja que nos ocupemos das coisas da terra e as amemos corretamente: “Enchei a terra e submetei-a” (Jr 17, 6). Mas uma pessoa que ame “desordenadamente” as coisas da terra não deixa lugar na sua alma para o amor a Deus. São incompatíveis o “apego” aos bens e o amor ao Senhor: “Não podeis servir a Deus e às riquezas” (Mt 6,24). As coisas podem converter-se numa amarra que nos impeça de chegar a Cristo. E se não o alcançarmos, para que serve a nossa vida?
Para chegar a Deus, Cristo é o caminho. Mas Cristo está na cruz; e, para subir à cruz, é preciso ter o coração livre, desprendido das coisas da terra. Ele nos deu o exemplo: passou pelos bens desta terra com perfeito senhorio e com mais plena liberdade. “Sendo rico, fez-se pobre por nós” (2 Cor 8,9). Para segui-Lo, estabeleceu-nos uma condição indispensável: “Qualquer um de vós que não renuncie a tudo o que possui não pode ser meu discípulo” (Lc 14, 33). Este não renunciar aos bens encheu de tristeza o jovem rico, que tinha posses e estava muito apegado a elas. Quando não perdeu nesse dia este homem jovem que tinha meia dúzia de coisas que, em breve, lhe fugiriam das mãos.
Os bens materiais são bons, porque são de Deus. São meios que Deus pôs à disposição do homem desde a criação, para que se desenvolvesse em sociedade com os outros. Somos administradores desses bens por um breve espaço de tempo. Tudo nos deve servir para amar a Deus – Criador e Pai – e aos outros. Se nos apegamos às coisas que temos e não praticamos atos de desprendimento efetivo, se os bens não nos servem para fazer o bem, se nos separam do Senhor, então não são bens, convertem-se em males.
Exclui-se do Reino dos céus todo aquele que põe as riquezas como centro da sua vida; idolatria, é como chama São Paulo a avareza. Um ídolo ocupa o lugar que só Deus deve ocupar. Exclui-se de uma verdadeira vida interior, de um relacionamento de amor com o Senhor, todo aquele que não quebra as amarras, ainda que finas, que o atam de um modo desordenado às coisas, às pessoas e a si próprio.
Com o bom uso que fizemos dos bens materiais – muitos ou poucos – que Deus pôs nas nossas mãos, ganharemos a vida eterna. A vida é o tempo de ganhar méritos. Se formos generosos e tratarmos os outros como filhos de Deus, seremos felizes aqui na terra e depois na outra vida. A caridade, nas suas diversas formas, é sempre realização do Reino de Deus, bem como a única bagagem que nos sobrará deste mundo que passa.
O nosso desprendimento deve ser efetivo, com resultados bem determinados, que não se conseguem sem sacrifícios; e, também, natural e discreto, como é próprio de cristãos correntes que devem servir-se de bens materiais no seu trabalho ou nas tarefas apostólicos. Trata-se de um desprendimento positivo, porque todas as coisas da terra são ridiculamente pequenas e insuficientes em comparação com o bem imenso e infinito que pretendemos alcançar; e ainda interno, pois diz respeito aos desejos; atual, porque exige que examinemos com frequência onde pomos o coração e tomemos resoluções concretas que assegurem a liberdade interior; e alegre, porque temos os olhos postos em Cristo, bem incomparável, e porque não é uma mera privação, mas riqueza espiritual, domínio das coisas e plenitude.
O desprendimento nasce do amor a Cristo e, ao mesmo tempo, possibilita que esse amor cresça e viva. Deus não habita numa alma cheia de bugigangas. Por isso é necessário um firme trabalho de vigilância e de limpeza interior.
Este tempo da Quaresma é muito oportuno para examinarmos a nossa atitude em face das coisas e em face de nós mesmos: tenho coisas desnecessárias ou supérfluas? Evito tudo o que para mim significa luxo e mero capricho, ainda que não o seja outros? Estou apegado às coisas ou instrumentos que devo utilizar no meu trabalho? Queixo-me quando não disponho do necessário? Levo uma vida sóbria, própria de uma pessoa que quer ser santa? Faço gastos inúteis por precipitação ou falta de previsão? Pratico habitualmente a esmola, generosamente, sem avareza? Contribuo para a manutenção de alguma obra apostólica e para o culto da Igreja com uma ajuda proporcionada aos meus ganhos e despesas?
Que Santa Maria, nossa Mãe, ajude-nos a limpar e ordenar os afetos do nosso coração para que só o seu Filho reine nele. Agora e por toda a eternidade. Coração dulcíssimo de Maria, guardai o nosso coração e preparai-lhe um caminho seguro.
Cardeal Orani João Tempesta
Arcebispo Metropolitano de São Sebastião do Rio de Janeiro
Fonte: Ateleia
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Neste tempo da Quaresma, a Igreja nos faz repetidas chamadas para que nos desprendamos das coisas da terra e assim acumulemos o nosso coração de Deus. Em Jr 17,7-8, nos diz: “Bendito o homem que deposita a sua confiança no Senhor e põe n’Ele a sua esperança. Assemelha-se à árvore plantada perto da água, que estende as suas raízes para o arroio. Quando chegar o estio, não o temerá, e a sua folhagem continuará verdejante. Não a inquieta o ano de seca; continua a produzir frutos”. O Senhor cuida da alma que colocou n’Ele o seu coração.
O Senhor deseja que nos ocupemos das coisas da terra e as amemos corretamente: “Enchei a terra e submetei-a” (Jr 17, 6). Mas uma pessoa que ame “desordenadamente” as coisas da terra não deixa lugar na sua alma para o amor a Deus. São incompatíveis o “apego” aos bens e o amor ao Senhor: “Não podeis servir a Deus e às riquezas” (Mt 6,24). As coisas podem converter-se numa amarra que nos impeça de chegar a Cristo. E se não o alcançarmos, para que serve a nossa vida?
Para chegar a Deus, Cristo é o caminho. Mas Cristo está na cruz; e, para subir à cruz, é preciso ter o coração livre, desprendido das coisas da terra. Ele nos deu o exemplo: passou pelos bens desta terra com perfeito senhorio e com mais plena liberdade. “Sendo rico, fez-se pobre por nós” (2 Cor 8,9). Para segui-Lo, estabeleceu-nos uma condição indispensável: “Qualquer um de vós que não renuncie a tudo o que possui não pode ser meu discípulo” (Lc 14, 33). Este não renunciar aos bens encheu de tristeza o jovem rico, que tinha posses e estava muito apegado a elas. Quando não perdeu nesse dia este homem jovem que tinha meia dúzia de coisas que, em breve, lhe fugiriam das mãos.
Os bens materiais são bons, porque são de Deus. São meios que Deus pôs à disposição do homem desde a criação, para que se desenvolvesse em sociedade com os outros. Somos administradores desses bens por um breve espaço de tempo. Tudo nos deve servir para amar a Deus – Criador e Pai – e aos outros. Se nos apegamos às coisas que temos e não praticamos atos de desprendimento efetivo, se os bens não nos servem para fazer o bem, se nos separam do Senhor, então não são bens, convertem-se em males.
Exclui-se do Reino dos céus todo aquele que põe as riquezas como centro da sua vida; idolatria, é como chama São Paulo a avareza. Um ídolo ocupa o lugar que só Deus deve ocupar. Exclui-se de uma verdadeira vida interior, de um relacionamento de amor com o Senhor, todo aquele que não quebra as amarras, ainda que finas, que o atam de um modo desordenado às coisas, às pessoas e a si próprio.
Com o bom uso que fizemos dos bens materiais – muitos ou poucos – que Deus pôs nas nossas mãos, ganharemos a vida eterna. A vida é o tempo de ganhar méritos. Se formos generosos e tratarmos os outros como filhos de Deus, seremos felizes aqui na terra e depois na outra vida. A caridade, nas suas diversas formas, é sempre realização do Reino de Deus, bem como a única bagagem que nos sobrará deste mundo que passa.
O nosso desprendimento deve ser efetivo, com resultados bem determinados, que não se conseguem sem sacrifícios; e, também, natural e discreto, como é próprio de cristãos correntes que devem servir-se de bens materiais no seu trabalho ou nas tarefas apostólicos. Trata-se de um desprendimento positivo, porque todas as coisas da terra são ridiculamente pequenas e insuficientes em comparação com o bem imenso e infinito que pretendemos alcançar; e ainda interno, pois diz respeito aos desejos; atual, porque exige que examinemos com frequência onde pomos o coração e tomemos resoluções concretas que assegurem a liberdade interior; e alegre, porque temos os olhos postos em Cristo, bem incomparável, e porque não é uma mera privação, mas riqueza espiritual, domínio das coisas e plenitude.
O desprendimento nasce do amor a Cristo e, ao mesmo tempo, possibilita que esse amor cresça e viva. Deus não habita numa alma cheia de bugigangas. Por isso é necessário um firme trabalho de vigilância e de limpeza interior.
Este tempo da Quaresma é muito oportuno para examinarmos a nossa atitude em face das coisas e em face de nós mesmos: tenho coisas desnecessárias ou supérfluas? Evito tudo o que para mim significa luxo e mero capricho, ainda que não o seja outros? Estou apegado às coisas ou instrumentos que devo utilizar no meu trabalho? Queixo-me quando não disponho do necessário? Levo uma vida sóbria, própria de uma pessoa que quer ser santa? Faço gastos inúteis por precipitação ou falta de previsão? Pratico habitualmente a esmola, generosamente, sem avareza? Contribuo para a manutenção de alguma obra apostólica e para o culto da Igreja com uma ajuda proporcionada aos meus ganhos e despesas?
Que Santa Maria, nossa Mãe, ajude-nos a limpar e ordenar os afetos do nosso coração para que só o seu Filho reine nele. Agora e por toda a eternidade. Coração dulcíssimo de Maria, guardai o nosso coração e preparai-lhe um caminho seguro.
Cardeal Orani João Tempesta
Arcebispo Metropolitano de São Sebastião do Rio de Janeiro
Fonte: Ateleia