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Quem é Fritz Müller, o alemão que viveu em SC e ajudou a provar a Teoria da Evolução

Sábio e apaixonado pela natureza, construiu pensamento, formação e família na Alemanha, mas foi em SC que o cientista se transformou no príncipe dos observadores e ajudou a provar a teoria de Charles Darwin


Estátua de Fritz Müller na praça que leva o nome dele, no bairro Victor Konder, em Blumenau(Foto: Patrick Rodrigues)

Feche os olhos e volte no tempo. Vamos até meados de 1856 em Blumenau, uma colônia com pouco mais de 600 habitantes. Você está na Wurststrasse, a Rua da Linguiça, principal via da localidade. De repente passa um homem simples, descalço, louro, de cabelos anelados, longos, e que mal olha para o lado. Ele tem nas mãos calejadas um cajado e uma pequena bolsa quase colada ao corpo. Você olha para a primeira pessoa ao lado e pergunta: "wer ist dieser Mann?" (quem é este homem?).


Ele é Fritz Müller, mais um entre os colonos alemães, mas com um talento adormecido pela enxada e pelos quatro anos sabáticos que teve com a família após a chegada ao Brasil: o de ser um cientista. E não qualquer cientista. Fritz viria a ser anos mais tarde um dos principais pesquisadores do Ocidente, ajudando a provar a Teoria da Evolução das Espécies – estudo do britânico Charles Darwin que mostrava as modificações que os seres vivos sofreram ao longo do tempo.

Filho de pastor protestante e neto de um químico, Fritz Müller estudou matemática e história natural em 1841, disciplina que depois ele lecionaria para adolescentes em Erfurt, região onde nasceu. É nesse período, à beira do Mar Báltico, que ele começa os estudos relacionados à biologia. 


Já em 1845 inicia o curso de medicina, mas quando iria receber o diploma e se tornar médico, recusa fazer o juramento. Agnóstico, Fritz não quis jurar que exerceria a profissão em nome de Deus, o que o levou a nunca atuar profissionalmente, embora fosse habilitado. Essa é a brecha para que Müller, então, focasse naquilo que realmente lhe importava: estudar a natureza e os seres vivos.
Não ser médico fez com que ele se tornasse um colono e pudesse observar mais a natureza, que é o que o encantava. O encantamento de Fritz Müller era pela floresta, pela mata tropical. Ele era um homem da natureza
Sueli Petry, historiadora e diretora do Arquivo Histórico de Blumenau


Demorou para que Fritz focasse nos estudos em solo brasileiro, mesmo com uma natureza que ele descreve como apaixonante. Introspectivo, ele escolheu viver com a família “com o machado e a enxada, na mata virgem, sentindo-se esplendidamente bem”, como o próprio Müller descreve em carta ao irmão Hermann, em 1856. É só depois de criar rusgas com Dr. Blumenau, o fundador da colônia – por conta de ideologias distintas –, que o cientista desencadeia em si o dom da ciência.

E para entender esse contexto é preciso voltar no tempo um pouco mais. Lá para a década de 1840, quando o jovem Fritz, natural de uma aldeia no interior da Alemanha, formou o pensamento. Com os ideais inspirados em pensadores como Kant, Hegel, Engels e Marx, ele se transformou em um cidadão inquieto com a política e contrário à monarquia alemã. Tanto é que de acordo com o livro Fritz Müller a genialidade venceu a floresta e por conta do insucesso da Revolução de 1948 Müller decide deixar a terra natal para embarcar ao Brasil.


Encantado por um país de florestas densas e animais exóticos, ele embarca com a esposa Caroline e a filha Johanna para as terras tropicais, deixando a Alemanha de lado – ele nunca mais retornaria à Europa após a partida, em 1852. Esse lado político de Fritz e o receio da região de que ele pudesse disseminar as ideias, como por exemplo o ateísmo, é o que motiva a saída rumo a Desterro, hoje Florianópolis.
A comunidade aqui não se sentia muito à vontade com Fritz Müller. O Dr. Blumenau quando teve a possibilidade de deslocá-lo para lá (Desterro), agiu nos bastidores, mas não acho que houve uma briga
Cezar Zilig, médico e pesquisador



Ida a Desterro foi o empurrão para o início dos estudos de Müller


Estudos sobre crustáceos de Fritz Müller foram desenvolvidos no local onde hoje fica a Beira-Mar Norte, em Florianópolis(Foto: Diorgenes Pandini, BD)

Quando deixa a colônia de Blumenau, em 1856, Fritz Müller vai dar aulas no Liceu Provincial, em Desterro, um colégio fundado pela Assembleia da Província. É lá na Capital, durante 11 anos analisando crustáceos e outros seres da vida marinha, que o naturalista desenvolve estudos que contribuem na Teoria da Evolução de Darwin. Empiricamente, entre uma aula e outra, a partir de 1857 – quando ganha um microscópio –, Fritz se aproveita da facilidade do acesso à vida nos mares para colher espécies que foram fundamentais nas observações.

Em 1861, Müller recebe uma carta do irmão com um exemplar do livro "A Origem das Espécies". Encantado com os estudos – que até então não eram completamente aceitos na comunidade científica –, o alemão decide contribuir com o então desconhecido Darwin para provar o evolucionismo. Fritz se aproveita das observações nos quatro anos anteriores na Praia de Fora, em Desterro, e escolhe a classe dos crustáceos. É com esse tema que em 1864 ele publica um pequeno livro chamado “Für Darwin” – Para Darwin, em português. Esse trabalho, explica Zilig, é uma das obras que ajuda a alavancar a teoria da evolução.


Segundo Edgard Roquette Pinto, no livro “O sábio Fritz Müller”, de 1929, a obra do naturalista alemão radicado em Santa Catarina “é um dos maiores monumentos científicos na América do Sul” e destaca ainda que Fritz não é reconhecido da mesma forma que outros cientistas por ter publicado descobertas em revistas, sem centralizar em uma grande obra, tanto que o Für Darwin foi o único livro lançado por Müller.
O principal valor desse livro é que ele foi a primeira pesquisa de campo que corroborou, deu suporte, à teoria do evolucionismo. Os grandes amigos do Darwin o defendiam com os próprios estudos do Darwin, e o Fritz Müller aparece com fatos novos. Isso favoreceu bastante e pesou a favor de Darwin, que ficou lisonjeado com isso, tanto que Fritz é citado nas novas edições da A Origem das Espécies
Cezar Zilig, médico e pesquisador

A publicação sobre os crustáceos, então, chega às mãos de Charles Darwin depois da metade da década de 1860. Ela agrada tanto ao cientista, que ele pede a tradução para o inglês. Daquele momento em diante, Müller e Darwin começam uma amizade que duraria 17 anos, mesmo sem os dois nunca se terem se encontrado pessoalmente. Como em uma rede social arcaica, os cientistas trocaram mais de 70 cartas. Por elas, compartilharam trabalhos, fatos curiosos e questionamentos em envelopes que levavam desde desenhos, até insetos e plantas das mais diferentes espécies.

Esse relacionamento à distância, desencadeado pelos estudos no local onde hoje fica a Beira-Mar Norte, em Florianópolis, fez com que Fritz Müller fosse citado 17 vezes na reedição da obra de Darwin – tornando o “catarinense” o único cientista brasileiro relevante na comprovação do evolucionismo. Não à toa, é carinhosamente chamado pelo britânico de “o príncipe dos observadores”, alcunha gravada em uma praça, ao lado de uma estátua em homenagem ao Fritz, às margens da Rua São Paulo, na região central de Blumenau.


Volta para Blumenau, depressão e morte


Restos mortais de Müller e familiares estão sepultados no Cemitério da Comunidade Evangélica de Blumenau, no Garcia(Foto: Patrick Rodrigues, BD)


O fim do Liceu Provincial, em 1864, fez com que Fritz Müller tivesse de buscar locais alternativos para lecionar até 1867, quando é demitido e decide retornar a Blumenau, o primeiro lar dele no Brasil. Com a natureza abundante da Mata Atlântica do interior do Vale do Itajaí e motivado pela troca de correspondências com Darwin, Fritz se inspira nas pesquisas. A partir de então disseca plantas, estuda borboletas, descreve a organização social das formigas, chega a avaliar até o comportamento de colmeias, além de pássaros e alguns mamíferos, como a paca.

Com status de “naturalista viajante”, cargo dado pelo Museu Nacional do Rio de Janeiro em 1876 – função defendida pelo imperador Dom Pedro II do Brasil –, Müller tem a garantia de uma remuneração para manter os estudos. Percorre milhares de quilômetros a pé pela mata catarinense à procura de novas espécies. Há relatos, de acordo com a historiadora Sueli Petry, de vezes em que Fritz foi à região onde atualmente ficam as cidades de Taió e Curitibanos.

Empolgado com os estudos e o retorno a Blumenau, Müller sofre uma série de baques a partir de 1879. Primeiro com a morte da filha Rosa, na Alemanha, que traz ao cientista lastros de depressão, de acordo com historiadores. Três anos depois, também por carta, ele descobre a morte de Charles Darwin, um amigo que nunca conhecera e que sempre foi grato pela contribuição à teoria do evolucionismo.


Já em 1883 chega a notícia de que o irmão mais novo, o também naturalista Hermann Müller, havia morrido na Suíça. Os falecimentos de Hermann e Darwin fazem com que Fritz não tivesse com quem compartilhar intimamente as descobertas dele, o que o leva a um profundo desgosto. Conforme Sueli Petry, é só com o estímulo dos netos que Müller volta a pesquisar.
Ele perde a vontade de olhar a natureza. Em vez de se jogar nos estudos, ele apenas fazia o trabalho por ser funcionário do Império e porque precisava prestar contas, mas não partia dele aquela vontade, era algo obrigatório. É só graças aos netos que ele volta a ter vontade de pesquisar
Sueli Petry, historiadora e diretora do Arquivo Histórico de Blumenau

Mesmo com o impacto das perdas e sem aspiração para estudar, Fritz Müller mantém as pesquisas. No total, o naturalista acumula 248 publicações em periódicos científicos, o que ajudou a desenvolver o estudo da biologia em todo o mundo. Em 1891, com a Proclamação da República, Fritz é forçado a se demitir do cargo que ocupava desde 1875 por se recusar a ir trabalhar no Rio de Janeiro. Ironicamente Müller, que vem para o Brasil por não concordar com os rumos da monarquia alemã, termina a vida como um dos defensores da monarquia brasileira.


Em 1894, Fritz perde a esposa, Caroline. Já morando na Rua XV de Novembro, ao lado de uma das filhas, ele ainda teria três anos de vida pela frente, até a partida em 21 de maio de 1897, justamente na cidade que o abrigara 45 anos antes e que havia sido o lar dele por 34 primaveras. Em Santa Catarina, Fritz deixa um legado pouco conhecido de um médico por formação e que dedicou a vida à ciência e a comprovar a teoria de um britânico que ele nunca conheceu. Ele não foi um imigrante clichê. Longe disso, embora tenha se apaixonado pelas terras subtropicais, constituído família e morrido como um legítimo brasileiro, tal como os outros que por aqui estavam.


Fonte: NSC TOTAL