Catarinenses passavam férias em Santiago, capital chilena, e morreram nesta quarta-feira dentro de um apartamento
O cheiro do chá de capim-limão chega ao quintal da casa. É com o calmante caseiro que mulheres - familiares, amigas, vizinhas - tentam aquecer a alma diante de uma tragédia ainda considerada por muitos como inacreditável. Na casa de dois andares às margens da BR-101, no bairro São Miguel, em Biguaçu, os inconsoláveis Ailton de Souza, 68 anos, e Maria, 62, não têm mais voz. Eles são pais de Fabiano de Souza, 41, morto em um apartamento em Santiago, no Chile, ao lado da esposa Débora Muniz Nascimento de Souza, 38, e dos filhos Karoliny Nascimento de Souza, que completaria 15 anos nesta sexta-feira (24), e Felipe Nascimento de Souza, 13. Além deles, morreram Jonathas Nascimento Kruger, 30, irmão de Débora, e a esposa dele, Adriane Krueger, de Goiânia.
É com os olhos vermelhos de tanto chorar que expressam a dor de quem de uma só vez, e de forma inesperada, perdeu tantos entes queridos. O casal passou a noite em claro, não se alimentou e oscila entre aceitar o que lhe dizem as notícias acerca das mortes e a esperança de que haja algum mal-entendido. Parecem paralisados no tempo. Para Aílton, os filhos e os netos precisam voltar para enterrar a mãe da nora, Débora, que faleceu na quarta-feira (22). Até então era o combinado, concorda Maria.
Nesta quinta à tarde, menos de 24 horas de serem informados sobre o provável vazamento de gás que matou os familiares, uma das sobrinhas falava do que intensifica ainda mais a comoção:
— A espera pelos corpos vai matando toda a família — contava a sobrinha Tainá Souza, 18 anos.
Ao lado dela, outra sobrinha, Bruna, 20 anos, tentava imaginar os dias que virão com a casa fechada, o silêncio dos passos e a ausência do sorriso de Karoliny, 15 anos, que de casa acenava quando a via dando almoço para a bebezinha de oito meses:
— Sexta, Karoliny estaria fazendo 15 anos. Eles quiseram fazer uma surpresa para ela, e somente algumas pessoas sabiam da viagem. Não viveu quase nada, aliás, quase nenhum deles viveu muito — lamenta.
A rotina da família que morava na última das quatro casas do terreno dos Souza começava cedo. Fabiano, que se dividia entre serviços de pedreiro e pescaria, saía às 7h de casa. A segunda a descer era Karoliny, que seguia de ônibus para o colégio.
Débora fazia o almoço e raramente conseguia esperar o marido, pois tinha que estar na escola, em Florianópolis, onde era coordenadora pedagógica. Formou-se em Pedagogia em 2012 pela Universidade do Vale do Itajaí. Felipe estudava à tarde e quase sempre conseguia carona com o pai.
Há dois meses Débora recebeu um presente do marido: uma motocicleta. Com isso, conseguia chegar mais cedo em casa, por volta das 23h, já que depois do trabalho fazia um curso de pós-graduação. Educadora dedicada que amava o que fazia, Débora tem o reconhecimento dos colegas que a admiravam pela determinação e seriedade. Fabiano sabia dos riscos da BR, mas apostava que a esposa era atenciosa e não mudaria no trânsito o jeito cuidadoso que um dia o fez apaixonar-se.
Antes de viajar, Fabiano retirou o barco de sua propriedade da água. A embarcação com o nome Felipe, em homenagem ao filho, está sobre as areias da Praia da Pitangueira. Combinou com os amigos que no retorno da viagem faria alguns reparos. No rancho dos pescadores ao lado, a tragédia envolvendo a família arranca lamento de quem convivia com ele. Sobram elogios para o pai dedicado e o filho carinhoso, o qual mesmo casado e formando a própria família decidiu ficar no mesmo terreno para poder cuidar dos pais.
Quando Felipe nasceu, Fabiano quis fazer uma homenagem ao avô, e acrescentou-lhe Aílton no nome. O menino era aluno do 9º ano na Escola de Educação Básica Professor Brazilício, no centro da cidade de Biguaçu. Por causa da baixa estatura, era conhecido como Felipinho.
Respeitoso com os professores, carinhoso com os colegas, bom de nota e na bola. Recentemente havia se classificado para a fase microrregional do Moleque Bom de Bola. Foi também na escola que até o ano passado a irmã Karoliny estudou. Neste ano ela ingressou no Ensino Médio no colégio Aderbal Ramos da Silva, em Florianópolis. Alunos exemplares, conta a diretora Grasiele Monteiro Epping, que conhecia muito bem os irmãos, já que deu aulas de inglês para ambos desde a Educação Infantil.
— Eles raramente faltavam à escola e sempre tiravam as melhores notas. Lembro-me do dia em que a mãe telefonou para nos comunicar que devido à viagem da família, Felipinho iria ficar ausente entre os dias 20 e 25 — recorda.
Na noite de quarta-feira, Grasiele foi informada pelo grupo de Whatsapp da turma de formados, da qual Felipe faz parte, sobre uma notícia de envenenamento - os Bombeiros do Chile suspeitam que um vazamento de gás tenha causado as mortes. A informação havia chegado por um aluno que mora perto da casa da família das vítimas. Os alunos estavam muito angustiados e a diretora tentou acalmá-los:
— Calma gente, vocês sabem que existem fake news. Em seguida, eu comecei a mandar mensagem para a Débora em busca de alguma informação. A última foi às 21h59mim. Não tive resposta — conta a diretora.
Dia de Conselho de Classe, nesta quinta a turma de Felipe não teve aulas. A rotina recomeça às 13h10min desta sexta-feira. Os educadores estão tristes e apreensivos sobre como os estudantes vão reagir.
Além do cartaz de luto colocado na porta da escola, a única certeza é de que o menino que ocupava o primeiro lugar na fila não estará presente. Assim como estarão vazias a mesa e primeira cadeira na sala de aula.
Entenda o caso:
Fonte: NSC TOTAL
O cheiro do chá de capim-limão chega ao quintal da casa. É com o calmante caseiro que mulheres - familiares, amigas, vizinhas - tentam aquecer a alma diante de uma tragédia ainda considerada por muitos como inacreditável. Na casa de dois andares às margens da BR-101, no bairro São Miguel, em Biguaçu, os inconsoláveis Ailton de Souza, 68 anos, e Maria, 62, não têm mais voz. Eles são pais de Fabiano de Souza, 41, morto em um apartamento em Santiago, no Chile, ao lado da esposa Débora Muniz Nascimento de Souza, 38, e dos filhos Karoliny Nascimento de Souza, que completaria 15 anos nesta sexta-feira (24), e Felipe Nascimento de Souza, 13. Além deles, morreram Jonathas Nascimento Kruger, 30, irmão de Débora, e a esposa dele, Adriane Krueger, de Goiânia.
É com os olhos vermelhos de tanto chorar que expressam a dor de quem de uma só vez, e de forma inesperada, perdeu tantos entes queridos. O casal passou a noite em claro, não se alimentou e oscila entre aceitar o que lhe dizem as notícias acerca das mortes e a esperança de que haja algum mal-entendido. Parecem paralisados no tempo. Para Aílton, os filhos e os netos precisam voltar para enterrar a mãe da nora, Débora, que faleceu na quarta-feira (22). Até então era o combinado, concorda Maria.
Nesta quinta à tarde, menos de 24 horas de serem informados sobre o provável vazamento de gás que matou os familiares, uma das sobrinhas falava do que intensifica ainda mais a comoção:
— A espera pelos corpos vai matando toda a família — contava a sobrinha Tainá Souza, 18 anos.
Ao lado dela, outra sobrinha, Bruna, 20 anos, tentava imaginar os dias que virão com a casa fechada, o silêncio dos passos e a ausência do sorriso de Karoliny, 15 anos, que de casa acenava quando a via dando almoço para a bebezinha de oito meses:
— Sexta, Karoliny estaria fazendo 15 anos. Eles quiseram fazer uma surpresa para ela, e somente algumas pessoas sabiam da viagem. Não viveu quase nada, aliás, quase nenhum deles viveu muito — lamenta.
A rotina da família que morava na última das quatro casas do terreno dos Souza começava cedo. Fabiano, que se dividia entre serviços de pedreiro e pescaria, saía às 7h de casa. A segunda a descer era Karoliny, que seguia de ônibus para o colégio.
Débora fazia o almoço e raramente conseguia esperar o marido, pois tinha que estar na escola, em Florianópolis, onde era coordenadora pedagógica. Formou-se em Pedagogia em 2012 pela Universidade do Vale do Itajaí. Felipe estudava à tarde e quase sempre conseguia carona com o pai.
Há dois meses Débora recebeu um presente do marido: uma motocicleta. Com isso, conseguia chegar mais cedo em casa, por volta das 23h, já que depois do trabalho fazia um curso de pós-graduação. Educadora dedicada que amava o que fazia, Débora tem o reconhecimento dos colegas que a admiravam pela determinação e seriedade. Fabiano sabia dos riscos da BR, mas apostava que a esposa era atenciosa e não mudaria no trânsito o jeito cuidadoso que um dia o fez apaixonar-se.
Antes de viajar, Fabiano retirou o barco de sua propriedade da água. A embarcação com o nome Felipe, em homenagem ao filho, está sobre as areias da Praia da Pitangueira. Combinou com os amigos que no retorno da viagem faria alguns reparos. No rancho dos pescadores ao lado, a tragédia envolvendo a família arranca lamento de quem convivia com ele. Sobram elogios para o pai dedicado e o filho carinhoso, o qual mesmo casado e formando a própria família decidiu ficar no mesmo terreno para poder cuidar dos pais.
Quando Felipe nasceu, Fabiano quis fazer uma homenagem ao avô, e acrescentou-lhe Aílton no nome. O menino era aluno do 9º ano na Escola de Educação Básica Professor Brazilício, no centro da cidade de Biguaçu. Por causa da baixa estatura, era conhecido como Felipinho.
Respeitoso com os professores, carinhoso com os colegas, bom de nota e na bola. Recentemente havia se classificado para a fase microrregional do Moleque Bom de Bola. Foi também na escola que até o ano passado a irmã Karoliny estudou. Neste ano ela ingressou no Ensino Médio no colégio Aderbal Ramos da Silva, em Florianópolis. Alunos exemplares, conta a diretora Grasiele Monteiro Epping, que conhecia muito bem os irmãos, já que deu aulas de inglês para ambos desde a Educação Infantil.
— Eles raramente faltavam à escola e sempre tiravam as melhores notas. Lembro-me do dia em que a mãe telefonou para nos comunicar que devido à viagem da família, Felipinho iria ficar ausente entre os dias 20 e 25 — recorda.
Na noite de quarta-feira, Grasiele foi informada pelo grupo de Whatsapp da turma de formados, da qual Felipe faz parte, sobre uma notícia de envenenamento - os Bombeiros do Chile suspeitam que um vazamento de gás tenha causado as mortes. A informação havia chegado por um aluno que mora perto da casa da família das vítimas. Os alunos estavam muito angustiados e a diretora tentou acalmá-los:
— Calma gente, vocês sabem que existem fake news. Em seguida, eu comecei a mandar mensagem para a Débora em busca de alguma informação. A última foi às 21h59mim. Não tive resposta — conta a diretora.
Dia de Conselho de Classe, nesta quinta a turma de Felipe não teve aulas. A rotina recomeça às 13h10min desta sexta-feira. Os educadores estão tristes e apreensivos sobre como os estudantes vão reagir.
Além do cartaz de luto colocado na porta da escola, a única certeza é de que o menino que ocupava o primeiro lugar na fila não estará presente. Assim como estarão vazias a mesa e primeira cadeira na sala de aula.
Entenda o caso: