Mais de 95 mil denúncias de violência contra crianças e adolescentes foram registradas em 2020. Desse total, mais de 14 mil corresponderam a abuso sexual, estupro e exploração sexual. Os registros ainda incluem violência física e psicológica. Os números foram atualizados em abril deste ano e fazem parte dos dados do Disque 100 – um serviço gratuito para denúncias de violações de direitos humanos.
Mesmo com o trabalho eficiente no combate a esse tipo de crime, os números podem ser ainda maiores do que os registrados. De acordo com o secretário nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, Maurício Cunha, existem estudos que apontam para a subnotificação dos casos de abuso sexual, em que são denunciados apenas um caso para cada dez que ocorrem ou mesmo um caso registrado para cada vinte que acontecem pelo Brasil.
“Percebemos que é um problema gravíssimo e que está muito presente no dia a dia da sociedade. Principalmente no caso do abuso sexual, o que preocupa é o fato de que a maioria das violações ocorrem na casa da criança e, ainda, o abusador são pessoas de confiança, na maioria dos casos”, avaliou.
Para fortalecer e subsidiar profissionais da rede de proteção a crianças e adolescentes, o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH) atualizou a cartilha com informações sobre abuso sexual contra esse público. Além dos novos dados, o documento incentiva o registro da denúncia e sensibiliza as famílias a respeito deste tema.
A cartilha é uma importante ferramenta para a compreensão dos conceitos de abuso sexual como forma de violência dentro do ambiente doméstico ou fora dele, fala sobre mitos e verdades em relação às vítimas e aos casos, apresenta a legislação brasileira sobre o tema e quais as formas de apoio necessárias às crianças e jovens.
Como prevenir contra o abuso sexual de crianças
A dor e a incompreensão são marcas profundas na vida de uma criança ou adolescente que passou por esse tipo de violência. Por isso é importante que os adultos responsáveis se mantenham sempre atentos. O psicólogo clínico Luiz Fernando Rossfa Dias Macedo, explica que, muitas vezes, com boa intenção, os pais punem os filhos quando eles agem de maneira errada, mas acaba não sendo comum ter uma recompensa por falar a verdade.
Desta forma, o ciclo de punições pode fazer com que a criança ou o adolescente evite falar, que ele se feche ou comece a mentir para evitar esse castigo. Por isso a importância de manter uma boa relação entre pais e filhos.
“O primeiro passo é ensinar essa criança, esse adolescente a ter os seus limites respeitados. Se estiver desconfortável com algo, tem que falar e ter o direito de se manifestar. O objetivo é justamente ter esse canal de comunicação aberto para que se algo estranho acontecer a criança se sinta à vontade em falar aos pais para que estes possam tomar as medidas necessárias”, explicou o psicólogo Luiz Fernando Macedo.
O delegado da Polícia Civil do Distrito Federal, Luiz Melo, que atua na Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente, destaca que os sinais deste tipo de crime podem ser vários, mas é responsabilidade de todos os adultos envolvidos com a criança, estarem vigilantes pelo bem-estar.
“Os sinais de alerta podem ser tanto por algo explícito, muito evidente, quanto algo que está implícito. Por isso é importante manter um acompanhamento físico e emocional com a criança. Qualquer suspeita é preciso procurar as autoridades competentes, inclusive é importante ressaltar que tanto os hospitais quanto as escolas, têm a incumbência de, ao ter suspeitas, encaminhar o caso para as autoridades”, enfatizou o delegado.
Saiba identificar possíveis sinais de abuso sexual infantil
De acordo com a psicóloga infantil, Erica Farias, é muito importante observar o comportamento da criança, muitas vezes ela terá dificuldade para falar o que está acontecendo, seja por medo, por ser ameaçada ou simplesmente por não entender. “Alguns comportamentos podem sinalizar algo errado e não podem ser ignorados. Se surgirem casos assim, o mais adequado é investigar”, explicou.
- O aparecimento de agressão verbal ou física, por parte da criança, destruição de objetos, mentira, roubo, mudanças bruscas de comportamento (socialmente, o comportamento fica inadequado);
- Sintomas emocionais como retração social, ansiedade, depressão, baixa autoestima, angústia, tristeza sem motivo aparente, aperto no peito e vontade de chorar;
- Vale estar atento também a sinais externos como: o aparecimento de marcas no corpo, como roxos, machucados, queimaduras de cigarro;
- Surgimento de corrimento vaginal nas meninas e/ou aparecimento de DST;
A psicóloga enfatiza “o que precisa ficar muito claro, é que o abuso sexual e a exploração sexual infantil, requerem uma estrutura de poder: um adulto, com conhecimento da sua própria sexualidade, se utiliza de uma criança, que não sabe ainda nada. É uma posição de poder do adulto, que transforma a criança em um objeto, para sua própria satisfação sexual”, concluiu.
Como acolher crianças e adolescente vítimas de abuso sexual?
O psicólogo clínico Luiz Fernando Macedo, ressalta que existem alguns passos importantes para uma reconquista da qualidade de vida de uma criança que sofreu abuso sexual e, para isso, é fundamental que ela entenda que “não é culpa do menor. Além disso, é preciso trabalhar em uma terapia, os sentimentos relacionados ao fato ocorrido. Sobretudo não deixar essa criança se perceber sozinha, isolada”, destacou.
Denúncias pelo Disque 100
Segundo o secretário nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, recentemente o Disque 100 teve uma melhoria significativa “tanto em termos operacionais quanto nos resultados, em que todas as denúncias são tratadas e encaminhadas de acordo com o nível de risco. Isso significa que uma denúncia de abuso contra criança, o encaminhamento é feito de forma rápida para o conselho tutelar, delegacia e Ministério Público”, destacou Maurício Cunha.