A alta no preço da carne bovina está longe de dar um alívio no orçamento do brasileiro. O custo da proteína subiu seis vezes mais do que a inflação nos últimos 12 meses e deve continuar valorizando por um bom tempo.
Só para se ter uma ideia, enquanto o IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo) ficou em 5,20% nos últimos 12 meses, a carne bovina registrou elevação de 29,51%.
Três fatores vêm contribuindo para a alta no preço da carne, segundo especialistas:
• Forte demanda internacional;
• Valorização do dólar; e
• Falta de gado no pasto para abate.
Alguns pecuaristas também afirmam que há um lobby do setor para o preço da arroba do boi subir ainda mais. A arroba do boi fechou 2020 a R$ 267,15 e atingiu R$ 320 na última quarta-feira (14), segundo levantamento do Cepea (Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada da Esalq/USP). Uma valorização de 19,78%.
Thiago Bernardino Carvalho, pesquisador de pecuária do Cepea, afirma que “o abate de vaca adulta é o menor desde 2003”, mas não liga isso a um possível lobby dos pecuaristas.
Carvalho lembra que, por conta da crise de 2018, muitos produtores acabaram abatendo as vacas para reduzir os custos que vinham assumindo.
“Com isso, a produção de gado caiu. Agora, com a forte demanda, tanto nacional quanto internacional, os produtores estão segurando as fêmeas para elas reproduzirem e aumentarem a boiada.”
O pesquisador diz, inclusive, que a inseminação artificial de vacas cresceu 22% no ano passado.
“Os pecuaristas estão tentando acelerar o processo de fertilização para atender o mercado”, explica Carvalho.
Ricardo Nissen, assessor técnico da Comissão Nacional de Bovinocultura de Corte da CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil), acredita que um ou outro produtor pode até estar segurando o gado no pasto por especulação.
No entanto, “de maneira geral não tem boi para ser comercializado para o mercado”.
Ele engrossa o coro de Carvalho ao dizer que a produção de um bezerro demora entre 3 e 4 anos. “Estamos enfrentando um período de déficit de animais prontos para abate.”
Nissan diz que o abate de fêmeas sempre foi menor do que o de machos, mas a variação era pequena. Entre 2017 e 2019, enquanto 41% dos abates eram de fêmeas, 46% eram de machos.
A partir de 2019, o produtor foi percebendo a necessidade de manutenção das fêmeas e o abate delas foi caindo. Tanto que em 2020 o percentual caiu para 36%.
“Em percentuais a redução pode parecer pequena, mas em números gerais houve uma grande manutenção de fêmeas.”
O Mapa (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento) confirma que houve um abate elevado de fêmeas afetou a produção de bezerros constatada agora.
Também destaca que “o uso da inseminação artificial é cada vez mais difundido, com tecnologias acessíveis a todos os produtores”.
A técnica, segundo o Mapa, “tem substancial influência na precocidade, fertilidade, resistência a doenças e eficiência alimentar dos animais. Na pecuária de corte vem sendo muito utilizada como cruzamento industrial, visando animais terminados mais precocemente, o que acaba por atender o padrão China e o mercado interno também”.
Preço da carne deve começar a cair a partir de maio
Para André Braz, coordenador do IPC do FGV IBRE, tanto a exportação para a China quanto a falta de gado no pasto são os responsáveis pela alta no preço da carne.
Outro fator predominante é a queda na renda das famílias com a crise gerada pelo novo coronavírus, que fez com que o brasileiro comprasse menos carne, reduzindo, de certa forma, o consumo interno.
Nissen concorda com Braz ao afirmar que nos próximos meses o consumidor já deve começar a sentir a queda no preço da carne. “O movimento é cíclico assim como a oferta e demanda. Já tem animal no pasto, deve ocorrer descarte de fêmeas e isso aumentará a oferta.”
Mercado doméstico consome maior parte da produção
Mesmo com as exportações aquecidas, Nissen diz que o mercado doméstico ainda é o maior consumidor da carne produzida no Brasil, mesmo registrando uma pequena queda no ano passado.
Em 2020, 70% do boi abatido no país ficou para o consumo do mercado interno. Em 2019 o percentual era de 72% e em 2018 de 76%.
“Boa parte do produto exportado é a dianteira do animal. Já o brasileiro está acostumado a consumir a parte traseira: picanha, contrafilé. Ou seja, o consumo diferente acaba gerando harmonia para a produção”, comenta Nissen.
Entre janeiro e março deste ano, o Brasil exportou US$ 1,56 bilhão (cerca de R$ 8,80 bilhões) em carne bovina fresca, refrigerada ou congelada. O número representa uma redução de 2,51% na comparação com igual período em 2020, quando a balança comercial registrou uma transação de US$ 1,60 bilhão (cerca de R$ 9,03 bilhões).
Os principais importadores da carne brasileira no primeiro trimestre de 2021 foram:
1. China
2. Hong Kong
3. Chile
4. Filipinas
5. Israel
6. Itália
7. Arábia Saudita
8. Emirados Árabes Unidos
9. Egito
10. Estados Unidos
11. Demais países
A China sozinha foi responsável pelo montante de US$ 873.959.511 (cerca de R$ 4,91 bilhões).
Produtores reclamam de incentivo fiscal
Produtores ouvidos pelo R7 Economize, que preferem manter as identidades preservadas, discordam do que falaram os pesquisadores e dizem que há muita especulação entre os pecuaristas. “A ordem é manter o boi no pasto para valorizar ainda mais o pareço da arroba”, dizem.
“A maioria está optando por exportar em vez de comercializar para o mercado interno, o que vem afetando o abastecimento e deixando o brasileiro na mão. Para nós, é mais interessante receber em dólar, contar com incentivo fiscal para exportar do que vender por aqui sem nenhum benefício”, conta um deles.
No Brasil, as exportações são imunes de ICMS (Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços). Quanto ao PIS/Cofins (contribuições para Programas de Integração Social e para o Financiamento da Seguridade Social), os exportadores acumulam créditos nessas operações, mas não são isentos.
Há ainda, o IRPJ (Imposto sobre a Renda da Pessoa Física), CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido) e outros tributos da atividade. Quem comercializa carne somente para o mercado interno paga os mesmos tributos e contribuições federais, além do ICMS.
Questionado pela reportagem, o Mapa (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento) afirma desconhecer qualquer tipo de concessão de incentivos fiscais ao produtor que exporta.
“A referência talvez seja em relação a animais “padrão China” que são bonificados pelos frigoríficos em até R$ 10/arroba, em alguns casos. De forma geral, o boi padrão China tem até 3 anos de idade, rastreados, certificados sanitários, entre outros itens”, respondeu por e-mail.
“Se os Estados dessem a isenção do ICMS, já seria um incentivo para priorizarmos o mercado doméstico e não focar a nossa produção na exportação”, comenta a fonte.
Sobre possíveis incentivos fiscais à categoria, o ministério respondeu da seguinte forma:
“O melhor incentivo é o preço de mercado. Mas o Mapa tem políticas de créditos focadas no aumento da produtividade da pecuária nacional como reforma de pastagens; melhoramento genético com foco no uso da inseminação artificial e estímulo ao confinamento.”
Fonte: Rádio Vitória