A mulher que confessou ter assassinado uma grávida para roubar o bebê em Canelinha, disse que está arrependida de ter cometido o crime. Ela ainda considera que tudo não passou de uma “loucura”. As declarações foram dadas em laudo pericial que atestou a sanidade mental dela.
O relatório, ao qual a reportagem do Diário Catarinense teve acesso, traz detalhes sobre o planejamento e a execução do crime contra a gestante no final de agosto na cidade da Grande Florianópolis. O documento com os resultados do exame foi anexado ao processo no dia 30 de novembro. O nome da ré não será divulgado por causa da Lei de Abuso de Autoridade .
Ao perito responsável pelo laudo, a autora teria contado que sofreu dois abortos espontâneos durante a vida, um deles entre 2012 e 2013 e o mais recente no final de 2019, depois de anos de tentativas, segundo descrito em relatório.
Com a segunda gestação interrompida, em fevereiro deste ano, e “abalada pelo infortúnio com o qual estaria sofrendo mais uma vez”, descreve o perito, a mulher teria resolvido esconder o aborto. Foi então que levou adiante a mentira, inclusive, acreditando nela em certa altura: “Enfatiza que acariciava o próprio abdôme e que fez compras relacionadas ao bebê que estaria por vir”, expõe o laudo.
À acusada, o perito questiona sobre a carteirinha de gestação que ela alegou ter perdido dentro de um veículo antigo dela e do, até então, marido e que foi vendido para outra pessoa. O assunto, conforme descrito pelo perito responsável, deixa a examinada “claramente desconcertada”.
Durante o exame, a mulher também afirmou que nunca foi amiga de Flavia Godinho Mafra, a gestante assassinada no final de agosto, mas que teve uma relação de “coleguismo” na adolescência e uma reaproximação na vida adulta, após perceber que a conhecida estava grávida do que acreditava ser “33 a 34 semanas”, em julho. No mesmo mês, a ideia de “fazer algo” teria surgido à assassina confessa:
“Não necessariamente sabia como, mas pensava em assassinar Flávia e ficar com seu bebê”, revela o documento.
Após a confidência, o perito menciona no relatório ter questionado à ré sobre o que ela teria feito caso a filha da vítima fosse um menino e “sem hesitar”, a mulher responde que “procuraria outro alvo”, embora tenha negado durante a mesma conversa que abordou outras grávidas e perguntou sobre a gestação delas pelas redes sociais, conforme descoberto pela investigação da polícia.
Acusada acreditou que não seria descoberta
Segundo laudo pericial, a acusada relata que em nenhum outro momento cogitou matar uma pessoa, mas que acreditava que iria criar a criança roubada como filha legítima sem nunca ser descoberta, caso o plano tivesse sido bem sucedido, descreve o perito.
Procurado pela reportagem, o adovogado de defesa, Rodrigo Goulart, disse que a expressão usada pela cliente comprova que ela estava “fora de si”, e que a própria declaração demonstra isso:
– Ela jamais imaginou a situação que se desenrolou e claro que, com todo aparato estatal, em questão de horas ela já foi descoberta.
“Quero nem lembrar”
Após executar a grávida com pancadas na cabeça e no rosto, mas antes mesmo de abrir o ventre de onde tirou a criança sem nenhum cuidado ou conhecimento médico, a ré confessa teria se arrependido, conforme descrito no laudo, “mas já era tarde”.
Católica praticante, a acusada nunca teria deixado de frequentar a igreja enquanto planejava o crime, diz que segue com suas orações, mas prefere não pensar na vítima: “quero nem lembrar”.
Defesa quer apresentar contraprova
À reportagem, a defesa afirmou que está no prazo para apresentar resposta à acusação e que analisa se apresentará uma contraprova, que seria um exame realizado por uma perita mulher.
– A defesa também vai quesitar o perito para alguns esclarecimentos, dentro dos quais, se o perito responde de forma inequívoca que a cliente à época do cometimento do crime era 100% consciente – diz.
O perito poderá ser ouvido, ainda, pelo Ministério Público, para esclarecer alguns pontos do laudo que possam ter deixado dúvidas às partes. O procedimento é parte do andamento da ação penal, que já foi recebida pelo Judiciário. Neste processo, o MPSC requer que os denunciados sejam submetidos ao julgamento do Tribunal do Júri da comarca de Tijucas.
Além da mulher, o marido dela chegou a ser preso por envolvimento no crime, mas teve a prisão revogada depois que a investigação descobriu que o homem também tinha sido enganado.
Relembre o caso
Flavia Godinho Mafra estava grávida de 36 semanas e desapareceu no dia 27 de agosto, depois de sair de casa de carona para um chá de bebê surpresa. Ela foi encontrada morta no dia seguinte (28) em uma cerâmica de Canelinha, na Grande Florianópolis, com o ventre aberto e sem o bebê.
Duas pessoas foram presas suspeitas de envolvimento com o crime. Segundo a Polícia Civil, uma delas era amiga da vítima, que teria atingido a cabeça da gestante com um tijolo e cortado a barriga dela para retirar o bebê, e a outra era o companheiro da acusada do assassinato.
Após o crime, a mulher teria ido ao hospital de Canelinha e apresentado a criança como filha. Ela alegou ter tido um parto espontâneo com a ajuda de terceiros. A equipe médica, no entanto, constatou que não havia indícios de parto recente na paciente e encaminhou a criança ao Hospital Infantil de Florianópolis, pelo fato de que ela apresentava cortes pelo corpo.
Os suspeitos foram levados à Delegacia de Polícia Civil de Tijucas, onde a mulher contou ter planejado o crime por pelo menos dois meses, quando decidiu que encontraria uma criança para substituir a que havia perdido em janeiro, em um aborto. O marido disse não ter conhecimento sobre os fatos, e chegou a ficar detido até o início de outubro, quando teve a prisão revogada pela Justiça. O bebê sobreviveu e ficou sob os cuidados da família.