Fotos: Divulgação
Março é o mês dedicado às mulheres. A comemoração do “Dia Internacional da Mulher” traz à tona muitos questionamentos sobre o posicionamento da mulher na sociedade. Um termo bastante utilizado ultimamente é o “empoderamento feminino”. A palavra é nova, mas exemplos de mulheres fortes e empoderadas a História tem há séculos. Uma delas é a senhora Noema Perez Poyer, moradora do município de Jaborá, que, além de comemorar o dia da mulher também estará comemorando seus 90 anos de vida no mês de março e os 05 anos da vitória sobre o câncer de mama.
Dona Noema, como é conhecida, foi a primeira funcionária dos Correios em Jaborá, quando foi instalado um posto de atendimento na localidade, na década de 50. Uma senhora alegre, comunicativa, que traz na sua história de vida a coragem, a bravura e a superação.
“Eu sou muito forte, puxei o sangue do meu pai, sangue espanhol. Ele sofreu um acidente com uma Winchester e perdeu parte de uma perna. Ele ia na roça e pra conseguir trabalhar, ele tinha o couro curtido de um boi, como um tapete, ele colocava aquele couro no chão, se sentava e com uma enxada e um facão ele fazia roças do tamanho de um campo de futebol, plantava feijão, milho, arroz. Até os 16 anos eu morei na roça, ainda criança, com meus 08 anos eu ia de mula, sozinha, no moinho em Catanduvas, fazia uns 20 quilômetros, às vezes chegava em casa de noite. Eu também ia com minha mãe para Joaçaba para fazer as compras, na garupa do cavalo puxando o cargueiro. A gente saía bem cedinho e chegava em Joaçaba às três horas da tarde. Ela comprava uma lata de querosene, um saco de açúcar, um saco de sal, tudo o que precisava pra dentro de casa e uma vez por ano a gente ganhava um vestido. Teve uma vez, que fizemos um plantio de milho e meu irmão e eu puxamos 600 sacos de milho e a minha mãe quebrou todo aquele milho sozinha. Eu era a puxadora dos animais, vinha a pé puxando os animais até o paiol para descarregarmos os cestos. Na época do trigo, ajudava meu irmão a cortar o trigo. Eu também era a “brequeira” da carroça, eu vinha fechando o freio quando precisava. Para a escola eu ia a pé, era longe, eu chegava em casa da escola uma hora da tarde, estudei até a 4ª série porque para continuar os estudos era só em Joaçaba e não tinha condições, era muito longe. Naquela época não tinha o estudo que tem hoje; eu gostava muito muito de estudar. E assim foi minha vida até os 16 anos”, relata Dona Noema.
Menina Mulher
Aos 17 anos D. Noema se casou e foi morar com seu marido na casa do sogro, o qual era viúvo e então, D. Noema assumiu todas as responsabilidades da casa e da família do esposo. Passou a cuidar também das cunhadas e do sogro: “Durante a minha primeira gravidez, meu marido teve um acidente tentando apartar uma briga no Clube e levou um tiro na boca. A bala ficou alojada na garganta e por conta dos nervos e das cordas vocais terem sido atingidos, ele ficou mudo e perdeu os movimentos do braço e da perna, afetou o lado esquerdo do corpo. Por conta disso, eu acabei assumindo administrar tudo. Era muita responsabilidade e muitas exigências. Pra você ter ideia, a roupa do meu sogro tinha que ser toda fervida, Deus o livre se torcesse a roupa sem ferver! No dia que saímos da casa do meu sogro e fomos morar em outra casa, ele me deu uma galinha com doze pintinhos e me disse que se eu fosse merecedora os cachorros não a comeriam e veja só, dessa galinha tive um terreiro com mais de 300 galinhas, ovo e carne nunca nos faltou!”
Jornada Dupla
Nesse período, o marido da D. Noema teve conhecimento de que os Correios iriam colocar um posto em Jaborá e conseguiu que fosse instalado em sua casa. D. Noema passou então a ter, além dos afazeres domésticos: casa, filhos e marido, um trabalho com carteira assinada, uma jornada dupla em plenos Anos 50. “Eu precisei fazer um curso em Joaçaba, tinha a Maricelda bebê, ainda amamentando, então eu deixava ela na casa de uma amiga que amamentava a bebê dela e a minha. Eu trabalhei nos Correios 25 anos. Foram 21 anos de serviços prestados, nunca tirei férias, licença maternidade, então por isso, eu “ganhei” 03 anos. Mesmo o posto ter funcionado todos esses anos na sala principal da minha casa, nunca recebi um aluguel, mas eu amava esse serviço, era meu ganha-pão. Enquanto trabalhei nos Correios teve uma ocasião que pensei que ia morrer do coração. Na Revolução de 64, o Brisola fazia uma campanha para formação de grupos, com cunho político e que ia contra os militares, chamados de “Grupos dos Onze”. E aqui em Jaborá formaram um grupo e fizeram um telegrama para passar para o Brizola, mas eles não preencheram o formulário e eu que acabei preenchendo. Um belo dia de manhã, quando eu olho para fora tinha uma tropa do exército em frente a minha casa. Os militares foram entrando e ficaram olhando por tudo, pegaram o telegrama, perguntaram de quem era a letra e fizeram mais um monte de perguntas. Ficaram dois dias aqui, queriam até me levar, mas meu cunhado interveio e eles entenderam o que realmente havia acontecido”.
Após se aposentar dos Correios, D. Noema pôde participar mais ativamente dos grupos da comunidade. Foi tesoureira do grupo de idosos por 18 anos; 12 anos no apostolado da oração; duas vezes na diretoria do Clube de Mães; integrou o coral de idosos do município , participando de apresentações em Joaçaba e Concórdia.
Preconceito
Sempre ativa e à frente do seu tempo, enfrentou o preconceito por diversas vezes. “Para a vida dos meus filhos ser diferente, pensei em dar estudo para eles. A Neusa, minha filha mais velha, foi a primeira pessoa de Jaborá que saiu para fora estudar, dei todo o apoio pra ela e sofri preconceito por isso, inclusive, dentro da própria família, que diziam que eu era louca em deixar ela sair, que ela iria voltar para casa com o diploma, que seria um filho. Mas ela se formou professora e hoje mora no Mato Grosso. Também sofri preconceito por causa do problema do meu marido, uma vez uma pessoa disse pra mim: ‘como que você tem todos esses filhos com o seu marido se ele tem uma parte do corpo paralisada?’ Eu apenas respondi para ela: ‘olha dona, a senhora está fazendo mau juízo de mim, isso é um pecado que a senhora está fazendo, ele ficou com problema pra se locomover, mas ele é um homem, graças a Deus nunca traí meu marido’. Eu guardei isso profundamente, nem para os meus filhos nunca contei. O primeiro financiamento de casa em Jaborá fui eu que fiz. Todo mundo achava que eu era louca, que não ia conseguir pagar, mas eu tinha meu salário, tinha meu limite para fazer minha casa, pelo meu trabalho. Fiz e terminei de pagar tudo e, graças a Deus e ao meu trabalho hoje tenho minha casa!”
Superação
E quando pensamos que já tivemos exemplos de coragem e bravura o bastante de uma única mulher, D. Noema nos surpreende com uma grande lição de vida: “Eu tinha um carocinho no meu seio, mas por que que eu não fui no médico? Todo mundo dizia que quem passava dos 80 anos não tinha câncer e eu fui com isso na cabeça, já estava com 85 anos. Minha saúde sempre foi ótima. Eu recebi o diagnóstico lá no Mato Grosso, quando estava visitando meus filhos. Um dia, quando fui me trocar, minha filha viu aquele caroço e já mobilizou a família toda, minha nora marcou consulta e lá mesmo recebi a notícia que era câncer. Eu fiquei muito chocada, mas não demonstrei nada, meus filhos são muito apavorados. Mas você pode imaginar o que passa pela cabeça, tirar um pedaço do teu corpo, não tem como dizer que não fica chocado. Mas graças a Deus, enfrentei a cirurgia e não senti dor. Os médicos diziam pra mim que eu era muito corajosa, que eu era forte. Não sofri nada com a cirurgia, quando eu me acordei eu perguntei pro médico: ‘escuta, vocês tinham que me operar mas ainda não me operaram?’, ele me disse: ‘a senhora já está operada e acordada Dona Noema’, eu tive até vontade de dar risada, o médico ficou me olhando! Mas depois eu chorei, eu chorei muito, chorei desesperada, mas chorava de noite, fechada no meu quarto pra ninguém ver. Não contava para os meus filhos porque eles iam se desesperar e dizer ‘a mãe vai morrer, daí eu ia morrer mesmo’! Eu fico admirada de fazer 90 anos, às vezes eu penso comigo ‘meu Deus, será que eu passei mesmo todos esses anos?’ Mas sabe por que eu vivo? Porque eu nunca desanimei da minha vida. Chorei muito, perguntei pra Deus porque eu mereci uma vida tão atribulada assim. Eu nunca desaforei ninguém, nunca fiz mal para ninguém, não briguei com ninguém, por minha causa ninguém nunca foi numa delegacia. Eu perdoei quem me fez mal, às vezes é bem difícil, mas se a gente não perdoa, não é perdoado. O que passou, passou e que Deus tenha misericórdia, né?”, ensina D. Noema.
Fonte: Maria Tereza/Ascom
Março é o mês dedicado às mulheres. A comemoração do “Dia Internacional da Mulher” traz à tona muitos questionamentos sobre o posicionamento da mulher na sociedade. Um termo bastante utilizado ultimamente é o “empoderamento feminino”. A palavra é nova, mas exemplos de mulheres fortes e empoderadas a História tem há séculos. Uma delas é a senhora Noema Perez Poyer, moradora do município de Jaborá, que, além de comemorar o dia da mulher também estará comemorando seus 90 anos de vida no mês de março e os 05 anos da vitória sobre o câncer de mama.
Dona Noema, como é conhecida, foi a primeira funcionária dos Correios em Jaborá, quando foi instalado um posto de atendimento na localidade, na década de 50. Uma senhora alegre, comunicativa, que traz na sua história de vida a coragem, a bravura e a superação.
“Eu sou muito forte, puxei o sangue do meu pai, sangue espanhol. Ele sofreu um acidente com uma Winchester e perdeu parte de uma perna. Ele ia na roça e pra conseguir trabalhar, ele tinha o couro curtido de um boi, como um tapete, ele colocava aquele couro no chão, se sentava e com uma enxada e um facão ele fazia roças do tamanho de um campo de futebol, plantava feijão, milho, arroz. Até os 16 anos eu morei na roça, ainda criança, com meus 08 anos eu ia de mula, sozinha, no moinho em Catanduvas, fazia uns 20 quilômetros, às vezes chegava em casa de noite. Eu também ia com minha mãe para Joaçaba para fazer as compras, na garupa do cavalo puxando o cargueiro. A gente saía bem cedinho e chegava em Joaçaba às três horas da tarde. Ela comprava uma lata de querosene, um saco de açúcar, um saco de sal, tudo o que precisava pra dentro de casa e uma vez por ano a gente ganhava um vestido. Teve uma vez, que fizemos um plantio de milho e meu irmão e eu puxamos 600 sacos de milho e a minha mãe quebrou todo aquele milho sozinha. Eu era a puxadora dos animais, vinha a pé puxando os animais até o paiol para descarregarmos os cestos. Na época do trigo, ajudava meu irmão a cortar o trigo. Eu também era a “brequeira” da carroça, eu vinha fechando o freio quando precisava. Para a escola eu ia a pé, era longe, eu chegava em casa da escola uma hora da tarde, estudei até a 4ª série porque para continuar os estudos era só em Joaçaba e não tinha condições, era muito longe. Naquela época não tinha o estudo que tem hoje; eu gostava muito muito de estudar. E assim foi minha vida até os 16 anos”, relata Dona Noema.
Menina Mulher
Aos 17 anos D. Noema se casou e foi morar com seu marido na casa do sogro, o qual era viúvo e então, D. Noema assumiu todas as responsabilidades da casa e da família do esposo. Passou a cuidar também das cunhadas e do sogro: “Durante a minha primeira gravidez, meu marido teve um acidente tentando apartar uma briga no Clube e levou um tiro na boca. A bala ficou alojada na garganta e por conta dos nervos e das cordas vocais terem sido atingidos, ele ficou mudo e perdeu os movimentos do braço e da perna, afetou o lado esquerdo do corpo. Por conta disso, eu acabei assumindo administrar tudo. Era muita responsabilidade e muitas exigências. Pra você ter ideia, a roupa do meu sogro tinha que ser toda fervida, Deus o livre se torcesse a roupa sem ferver! No dia que saímos da casa do meu sogro e fomos morar em outra casa, ele me deu uma galinha com doze pintinhos e me disse que se eu fosse merecedora os cachorros não a comeriam e veja só, dessa galinha tive um terreiro com mais de 300 galinhas, ovo e carne nunca nos faltou!”
Jornada Dupla
Nesse período, o marido da D. Noema teve conhecimento de que os Correios iriam colocar um posto em Jaborá e conseguiu que fosse instalado em sua casa. D. Noema passou então a ter, além dos afazeres domésticos: casa, filhos e marido, um trabalho com carteira assinada, uma jornada dupla em plenos Anos 50. “Eu precisei fazer um curso em Joaçaba, tinha a Maricelda bebê, ainda amamentando, então eu deixava ela na casa de uma amiga que amamentava a bebê dela e a minha. Eu trabalhei nos Correios 25 anos. Foram 21 anos de serviços prestados, nunca tirei férias, licença maternidade, então por isso, eu “ganhei” 03 anos. Mesmo o posto ter funcionado todos esses anos na sala principal da minha casa, nunca recebi um aluguel, mas eu amava esse serviço, era meu ganha-pão. Enquanto trabalhei nos Correios teve uma ocasião que pensei que ia morrer do coração. Na Revolução de 64, o Brisola fazia uma campanha para formação de grupos, com cunho político e que ia contra os militares, chamados de “Grupos dos Onze”. E aqui em Jaborá formaram um grupo e fizeram um telegrama para passar para o Brizola, mas eles não preencheram o formulário e eu que acabei preenchendo. Um belo dia de manhã, quando eu olho para fora tinha uma tropa do exército em frente a minha casa. Os militares foram entrando e ficaram olhando por tudo, pegaram o telegrama, perguntaram de quem era a letra e fizeram mais um monte de perguntas. Ficaram dois dias aqui, queriam até me levar, mas meu cunhado interveio e eles entenderam o que realmente havia acontecido”.
Após se aposentar dos Correios, D. Noema pôde participar mais ativamente dos grupos da comunidade. Foi tesoureira do grupo de idosos por 18 anos; 12 anos no apostolado da oração; duas vezes na diretoria do Clube de Mães; integrou o coral de idosos do município , participando de apresentações em Joaçaba e Concórdia.
Preconceito
Sempre ativa e à frente do seu tempo, enfrentou o preconceito por diversas vezes. “Para a vida dos meus filhos ser diferente, pensei em dar estudo para eles. A Neusa, minha filha mais velha, foi a primeira pessoa de Jaborá que saiu para fora estudar, dei todo o apoio pra ela e sofri preconceito por isso, inclusive, dentro da própria família, que diziam que eu era louca em deixar ela sair, que ela iria voltar para casa com o diploma, que seria um filho. Mas ela se formou professora e hoje mora no Mato Grosso. Também sofri preconceito por causa do problema do meu marido, uma vez uma pessoa disse pra mim: ‘como que você tem todos esses filhos com o seu marido se ele tem uma parte do corpo paralisada?’ Eu apenas respondi para ela: ‘olha dona, a senhora está fazendo mau juízo de mim, isso é um pecado que a senhora está fazendo, ele ficou com problema pra se locomover, mas ele é um homem, graças a Deus nunca traí meu marido’. Eu guardei isso profundamente, nem para os meus filhos nunca contei. O primeiro financiamento de casa em Jaborá fui eu que fiz. Todo mundo achava que eu era louca, que não ia conseguir pagar, mas eu tinha meu salário, tinha meu limite para fazer minha casa, pelo meu trabalho. Fiz e terminei de pagar tudo e, graças a Deus e ao meu trabalho hoje tenho minha casa!”
Superação
E quando pensamos que já tivemos exemplos de coragem e bravura o bastante de uma única mulher, D. Noema nos surpreende com uma grande lição de vida: “Eu tinha um carocinho no meu seio, mas por que que eu não fui no médico? Todo mundo dizia que quem passava dos 80 anos não tinha câncer e eu fui com isso na cabeça, já estava com 85 anos. Minha saúde sempre foi ótima. Eu recebi o diagnóstico lá no Mato Grosso, quando estava visitando meus filhos. Um dia, quando fui me trocar, minha filha viu aquele caroço e já mobilizou a família toda, minha nora marcou consulta e lá mesmo recebi a notícia que era câncer. Eu fiquei muito chocada, mas não demonstrei nada, meus filhos são muito apavorados. Mas você pode imaginar o que passa pela cabeça, tirar um pedaço do teu corpo, não tem como dizer que não fica chocado. Mas graças a Deus, enfrentei a cirurgia e não senti dor. Os médicos diziam pra mim que eu era muito corajosa, que eu era forte. Não sofri nada com a cirurgia, quando eu me acordei eu perguntei pro médico: ‘escuta, vocês tinham que me operar mas ainda não me operaram?’, ele me disse: ‘a senhora já está operada e acordada Dona Noema’, eu tive até vontade de dar risada, o médico ficou me olhando! Mas depois eu chorei, eu chorei muito, chorei desesperada, mas chorava de noite, fechada no meu quarto pra ninguém ver. Não contava para os meus filhos porque eles iam se desesperar e dizer ‘a mãe vai morrer, daí eu ia morrer mesmo’! Eu fico admirada de fazer 90 anos, às vezes eu penso comigo ‘meu Deus, será que eu passei mesmo todos esses anos?’ Mas sabe por que eu vivo? Porque eu nunca desanimei da minha vida. Chorei muito, perguntei pra Deus porque eu mereci uma vida tão atribulada assim. Eu nunca desaforei ninguém, nunca fiz mal para ninguém, não briguei com ninguém, por minha causa ninguém nunca foi numa delegacia. Eu perdoei quem me fez mal, às vezes é bem difícil, mas se a gente não perdoa, não é perdoado. O que passou, passou e que Deus tenha misericórdia, né?”, ensina D. Noema.
Fonte: Maria Tereza/Ascom