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Seu nome é Alberto Rodriguez. Ele nasceu em Caracas, na Venezuela no dia 16 de maio de 1985. Atualmente é integrante da equipe de médicos do Hospital Maicé de Caçador e é nesta cidade que pretende construir seu futuro
Quem vê o médico Alberto, focado em seu atendimento aos pacientes no Hospital, não imagina todos os obstáculos vencidos até aqui. Por conta de sua experiência de vida, Alberto vê os pacientes como seres humanos, passíveis de tantas dificuldades. Quando se depara com pacientes em situações de vulnerabilidade social, ele recorda seu próprio passado, permeado de dificuldades, de miséria e violência.
Ele nasceu em uma favela em Caracas. A mãe era faxineira e o pai mecânico. Aos sete anos, seus pais se separaram. Ele tem três irmãos. Morava em uma casa de latão, em meio a catadores de lixo. Dormia em colchões no chão, para evitar balas perdidas em tiroteios frequentes.
Apesar da precária situação, sua mãe percebeu logo cedo a inteligência e criatividade do filho e batalhou para matricular ele em um colégio particular para garantir a melhor educação.
Enfrentou fila de madrugada para inscrever o filho no colégio e diariamente, horas em ônibus lotado para chegar na escola a tempo. Alberto respondeu aos esforços da mãe com um ótimo rendimento escolar. Tanto que se destacou entre as crianças e ganhou uma bolsa de estudos de 50%. Um alívio importante para os parcos recursos dos pais que trabalharam dobrado para garantir o pagamento dos outros 50% da mensalidade.
Ao terminar o ensino médio, ser ator de novelas era um dos sonhos do menino Alberto. Começou a estudar artes cênicas e chegou a participar de um programa de televisão na Venezuela. Mas, no meio do caminho, um professor o deslumbrou com a Química.
Incentivado pelo pai, Alberto começou a fazer o curso de Engenharia Petrolífera. Depois de dois semestres, mudou o governo da Venezuela e veio a crise da indústria petroleira. “Houve muitas mudanças. Meu pai ficou desempregado, eu estudava e trabalhava, mas precisei trancar a faculdade”, lembra.
Enquanto a situação no País estava instável, Alberto fez o curso de técnico de Contabilidade. Ele então se preparou e prestou a prova para a Universidade de Medicina.
Ele foi um dos destaques, ficando na 5ª colocação nacional. Isso lhe conferiu uma bolsa integral na Universidade de Medicina.
Enfrentando dificuldades para se manter com custos de alimentação, hospedagem e outros, Alberto viu a possibilidade de estudar em Cuba.
Também conhecida como ELAM, a Escola Latino-Americana de Medicina foi fundada em 1998 por Fidel Castro. É considerada uma das maiores escolas de Medicina do mundo.
De acordo com dados divulgados pelo Ministério da Saúde cubano, mais de 35 mil médicos de 138 países se formaram em Cuba.
Os estudantes internacionais são recrutados principalmente na América Latina, Caribe, África e Ásia. Eles não pagam mensalidades ou taxa de matrícula. A ELAM oferece acomodação e alimentação de graça, além de um pequeno auxílio financeiro.
“Eu fiz a prova e passei. Então meu destino agora era Cuba. Fui somente com uma mochila, medo e muitas dúvidas. Era março de 2004”, relata.
Viver em um país completamente diferente, tendo que se virar sem muita tecnologia, sem carro, sem celular, sem chuveiro aquecido (luxos que nós temos hoje e nem percebemos), com a comida racionada, e com poucos recursos. Esta era a realidade de Alberto em Cuba.
No entanto o ensino era de qualidade excepcional. “Meus professores eram de diferentes nacionalidades. Muitos russos e cubanos. Todos muito capacitados. Meu professor de biologia foi o inventor da vacina contra hepatite B. Tive aula com professores ganhadores de prêmio Nobel”, afirma.
Alberto ficou seis meses no chamado curso pré-médio. Quatro meses antes do início das aulas, os estudantes de Medicina passam por um período de formação intitulado de pré-médio. Trata-se de um curso intensivo, que visa o nivelamento de todos.
Para saber
Após a Revolução, Cuba enfrentou uma situação uma difícil crise sanitária. O país contava com apenas 6 mil médicos e necessitava de mais profissionais da saúde. Diante dessa situação, o governo começou a investir na formação de médicos no país, oferecendo um ensino de qualidade e gratuito. Hoje, a ilha conta com 75 mil médicos – um para cada 160 habitantes (a maior taxa de toda a América Latina). Além disso, o Governo Cubano também recruta alunos internacionais em outros países.
Movimento estudantil
Logo no início, Alberto teve contato com a agitação do movimento estudantil e com a política. “A universidade recebia muitos embaixadores, ministros, príncipes, visitantes de todo o mundo. Conheci Hugo Chaves pessoalmente, conheci Lula, conheci Fidel Castro. “Mas é importante frisar que eu não gosto do socialismo. Defendo um regime igualitário e justo, com livre comércio e que ajuda o desenvolvimento econômico dos países”.
A organização estudantil era muito estruturada, nos moldes da ONU e contava com representantes de países diferentes. Eu fiquei encantado. Eu queria um cargo, estava começando na faculdade e já queria participar” relata.
Ele começou a atuar na parte da comunicação na organização estudantil onde teve contato com muitas pessoas e sempre aprendendo mais a cada dia. Fora suas obrigações acadêmicas, ele tinha muitas outras atribuições. Ele era responsável pelos estudantes em questões de logística, contato com familiares em outros países e outras situações.
De secretário de comunicação, ele passou a secretário geral da organização estudantil. Tudo isso ainda no primeiro ano da faculdade e mantendo em dia os estudos. “Fiquei no cargo dois meses e passei a ser vice-presidente. Depois assumi a presidência. Fiquei cinco anos neste cargo. Foi um período de muito aprendizado. Fui para a Argentina representando a faculdade. Tenho muita facilidade em dialogar, em argumentar. Aprendi muito sobre a história, regime de Cuba, como é um bloqueio econômico e suas consequências”, afirma.
Em choque com o sistema
Ao aprender, conhecer pessoas e lugares, ao receber informações e ouvir opiniões de diferentes pessoas, de diferentes países a mente se abre. E isso fez Alberto analisar o cenário, a situação no país em que estava. “Então comecei a chocar com o sistema. Não gostaram de comentários que eu havia feito. Lá existe um regime, existe uma linha a ser seguida, e quem não segue, não é bem visto. Então senti que aquele não era meu lugar.
Em alguns debates, notaram que eu estava saindo da linha que devia ser seguida. Comecei a ter atritos, fui ameaçado até de ser expulso da Universidade. Decidi então ficar calado, mas fiquei muito magoado”, recorda.
Alberto se formou em 2010. E voltou para a Venezuela. Por meio de um acerto informal, já havia um emprego esperando por ele. Mas o salário era muito baixo. “Eu precisava ajudar minha família. Não aceitei o local de trabalho que me ofereceram. Então fui acusado de ser contra o governo. Eu consegui emprego em outro hospital. Entrei na residência em medicina clínica. Aluguei um apartamento e consegui tirar minha mãe da favela. Consegui pagar um colégio particular para meu irmão. Em uma ocasião fui entrevistado e expressei minha opinião sobre a situação política da Venezuela e isso me rendeu muitos inimigos”, comenta.
“Preciso ir para outro país”
Ao enfrentar críticas de pessoas na Venezuela e diante de uma crise política e econômica, Alberto disse para sua mãe: “Preciso ir para outro país”
Ele tinha uma amiga brasileira, colega de curso. Ele a ajudou certa vez a conseguir emprego na Venezuela e ela então retribuiu, falando sobre o programa Mais Médicos do Brasil.
“Tinha terminado minha residência, era sócio em uma clínica, tinha construído uma carreira na Venezuela, e mesmo assim com 28 anos, decidi ir para o Brasil”, comenta.
Ele conta que se preparou para a entrevista na Embaixada brasileira vendo o filme Avatar, legendado em Português, por 48 horas seguidas. E teve o visto aprovado.
Sua primeira morada no Brasil foi em Brasília. Ele vendeu um tablet e com o dinheiro comprou a passagem de avião e ficou com apenas 300 dólares.
Alberto ficou três meses em Brasília e depois escolheu trabalhar no sul do País. “Ouvi falar das cidades do sul do Brasil, que eram muito prósperas, mas ninguém me avisou que fazia frio”.
Ele chegou em Chapecó e a temperatura marcava 4 graus. “Eu estava sem nada de dinheiro. Não conhecia a cidade. Depois de ficar dois dias no quarto do hotel, decidi sair. Fui até uma igreja próxima, era feriado de Páscoa. Fui lá para ver pessoas, para conhecer as pessoas. Estavam distribuindo chocolates na igreja. Eu sentei na escada da igreja e comecei a chorar. Eu estava com frio e não tinha roupas quentes. Algumas pessoas da igreja me ajudaram, me deram roupas de doações. Eu fiquei 15 dias com aquelas roupas enquanto aguardava o meu pagamento”, conta.
Alberto começou a trabalhar em um posto de saúde no interior. Ele ficou cinco anos em Chapecó. No período, fez especialização em Saúde da Família. Fez amigos em Chapecó e conseguiu mandar dinheiro para sua família na Venezuela.
Com a necessidade de fazer o revalida, para clinicar no Brasil, Alberto precisou revisar todo o conteúdo do curso para a prova. “Foi uma prova muito difícil, tinha que interpretar. Mas tirei uma nota muito boa”. Ele teve que empresar dinheiro para viajar até o local da prova.
Depois disso, foi preciso apresentar todos os documentos e legalizar todos aqui no Brasil. Ele precisou ir para a Venezuela e para Cuba e novamente teve que pedir dinheiro emprestado.
Uma nova história em Caçador
Em maio de 2018, ele mandou seu currículo para o Hospital Maicé. Ele foi chamado para trabalhar e começou a fazer plantões. Foi elogiado e reconhecido pelo seu trabalho. Foi muito bem recebido e orientado por profissionais renomados. “Tive a oportunidade de entrar na equipe médica do Maicé. Fiquei morando no hospital durante dois meses. Consegui mostrar meu trabalho e dar sugestões de melhorias e fui ouvido. Recebi outras ofertas de emprego, mas eu não quero sair daqui. Gosto da cidade, do clima, quero comprar uma chácara. Quero me estabelecer aqui agora. Tenho 35 anos e estou cansado. Foram muitas mudanças”, relata.
Aqui no Brasil, ele está realizado como profissional médico por salvar e melhorar a vida dos pacientes. “Um paciente aqui pode fazer uma tomografia pelo SUS. Isso é algo que não existe na Venezuela ou outro país por exemplo. Lá precisa pagar. As pessoas morrem esperando ter dinheiro para fazer um exame. Aqui temos uma excelente condição de atendimento. No Hospital Maicé temos uma estrutura moderna, onde tudo é pensado no paciente, na qualidade de atendimento e para salvar vidas”, afirma.
Mister Gay World Venezuela 2016 e 2017
Alberto Rodriguez é uma celebridade no mundo LGBT. Ao se descuidar do seu peso quando chegou no Brasil, ele precisou de muita motivação e de um personal trainer de grande talento, para atingir seus objetivos. “Minha meta era competir e a mudança foi extrema. Entrei nas redes sociais, mostrando minha rotina”.
Alberto Rodriguez, foi eleito Mister Gay World Venezuela 2016 e 2017. Teve a oportunidade de viajar para Madrid na Espanha, Ilhas Canárias, Itália e outros países e ainda ajudar a comunidade LGBT. “Foi uma experiência única. Foi a primeira vez que viajei como uma estrela. Muitas entrevistas, muitas fotos, muita exposição”, diz.
Atuação na medicina estética
Alberto ainda tem muitos sonhos a serem concretizados. Um deles é na parte da medicina estética, onde ele pretende abrir uma clínica na cidade de Caçador.
“Na Venezuela sofri muito com a violência e com poucos recursos. Aqui posso sonhar novamente. O Brasil me deu uma oportunidade sem precedentes”, encerra.
Fonte: Caçador de Notícias