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Jackson Follmann critica acessibilidade no Brasil

Sobrevivente do acidente com o time da Chapecoense fala sobre o medo de viagens de avião e diz que, quando estava de cadeira de rodas, sentiu dificuldades de locomoção pela falta de adaptação dos locais para portadores de deficiência



Como você vê a vida três anos depois do acidente?

Eu valorizo as coisas simples. Não que antes não valorizasse. Sempre falo isso quando as pessoas me perguntam porque realmente eu vejo dessa forma. Dessa vida a gente não leva nada, a gente nasce sem nada e morre sem levar nada. A verdade é essa. As coisas simples, do dia-a-dia que fez uma falta muito grande depois do acidente. O fato de eu estar numa cadeira de rodas, de meu pai me pegar no colo, me levar para almoçar, me levar para ir ao banheiro, me levar para a cama para deitar, isso me deixava triste porque eu não sabia como seria. Não sabia como funcionava usar uma prótese. Não sabia como seria a minha reabilitação e a colocação de uma prótese. Eu tinha uma preocupação muito grande. O simples fato de colocar um chinelo, de calçar um tênis, foi uma comemoração muito grande, até pelo meu tornozelo esquerdo. Hoje eu valorizo essas coisas. Coisas simples, que realmente são esses momentos que fazem uma diferença grande e a gente só se dá conta quando infelizmente está passando por um momento difícil, por alguma dificuldade.

Vejo que você posta fotos com cavalos de vez em quando? É um hobby?


Sempre gostei de cavalo. Tive um cavalo quando era pequeno. Também ia nos rodeios, mas eu gosto. Até fico um pouco com medo com a situação da prótese, mas é um medo meu que não me impossibilita de nada. Dias atrás foi comemorado o 20 de setembro, na Semana Farroupilha (tradicionalmente comemorada no Rio Grande do Sul) e eu acabei fazendo uns vídeos, tirando foto a cavalo. Foi bem legal. Fazia uns 12 anos que não andava a cavalo.

Você gosta de cultivar algumas tradições do Rio Grande do Sul, né?

Sim. Cara, eu sou um viciado no chimarrão. Tomo chimarrão pra caramba. Semana Farroupilha sempre procuro participar em Chapecó. Eu sou do Sul, amante do Rio Grande do Sul. Então, então procuro cultivar as tradições.

Você se sente frustrado por não poder voltar a jogar?

Lógico que não. A saudade é diferente, né. Eu tenho saudades, mas me frustrar jamais. Até porque se você enxergar o todo não tem como pensar em reclamar de nenhuma coisa, só agradecer. Eu pensava um dia em me aposentar. Então sempre procuro pensar que me aposentei mais cedo dos gramados. É lógico que se eu te falar que estou recuperado, que eu superei vou estar te mentindo. Estou me reconstruindo, não sei quanto tempo vai levar, até porque é uma situação difícil o que aconteceu, extremamente complicado, não posso dar tempo e nem tenho porque dar tempo para dizer para as pessoas ah, agora eu superei. Estou me reconstruindo, redescobrindo o meu corpo, respeitando o meu corpo. Hoje eu sei até que ponto eu posso caminhar, até que ponto eu posso ficar em pé porque se eu fico muito tempo em pé, muito tempo caminhando acaba inchando o tornozelo. Claro que eu tenho muito desconforto no pescoço. Como eu viajo bastante há incômodo com avião, nos hotéis, lugares diferentes, travesseiros diferentes. Mas eu tenho algumas técnicas. Acabo fazendo alguns exercícios que dão uma amenizada nesses desconfortos musculares.

Você falou que nos aeroportos tem problema também por causa da perna metálica?

Sempre tenho que ser revistado. É um procedimento normal, não me incomoda nem um pouco. Os seguranças perguntam se eu quero ser revistado na frente das pessoas ou numa sala, não tem problema nenhum. Nos bancos, acabo entrando pela portinha do lado. O segurança me revista, mas não tem problema nenhum.

Você sofre algum preconceito ou teve alguma dificuldade de mobilidade além do acesso aos bancos?


Quando eu fiquei de cadeira de rodas por um mês mais ou menos eu via a falta de acessibilidade realmente. Sentia uma falta muito grande de acessibilidade no Brasil. Mas com a prótese não. Com a prótese, dentro das minhas limitações, consigo fazer tudo. Às vezes em alguns lugares com um pouco mais de dificuldade, mas eu também não atropelo nada, vou dentro das minhas condições, do meu tempo. Mas o maior empecilho mesmo é quando eu estava de cadeira de rodas. Acho que a gente está muito pobre ainda de acessibilidade.

Como você administra as viagens de avião?

Eu sempre deixei claro que tenho medo de avião. Só que é uma necessidade. Como estou o todo tempo entrando e saindo de aviões, procuro fazer a minha oração. Eu tenho algumas manias: gosto de sentar na janela, procuro não viajar à noite quando dá e, quando entro no avião, procuro pedir proteção a Deus. Está corrido, mas está bacana, está prazeroso, está gostoso. Toda sexta estou indo para o Rio. Também há outras coisas, algumas palestras que eu faço. Está sendo bacana porque eu acho que, na verdade, eu penso muito que a gente ficou para ajudar o próximo. Então de alguma forma a gente está sempre ajudando as pessoas, as pessoas acompanham muito a gente nas redes sociais. Talvez um simples vídeo, uma simples foto que seja para mim naquele momento pode fazer uma diferença para as pessoas que estão me acompanhando. Eu recebo muitas mensagens com esse feedback. Então fico superfeliz e motivado em poder de alguma forma estar ajudando. Isso é o mais importante.

Você tem se envolvido em várias ações. Quando ocorreu um acidente com um carro numa creche em Chapecó te chamaram para visitar as crianças. Você foi visitar crianças com câncer também. 

Faço muito isso e não só aqui na Chapecoense. Faço por minha conta também. Até na própria clínica de prótese visito muitas pessoas, além do hospital na região. Esse é o meu papel: ajudar os amputados, as pessoas. A maioria das amputações ocorre da noite para o dia. A pessoa fica desnorteada, fica com aquela insegurança, não sabe como é. E o meu papel também é poder tranquilizar. Falar verdade, mitos e também ajudar de alguma forma. Já que eu também uso prótese e hoje, graças a Deus eu levo uma vida normal, apesar das minhas dificuldades, das lesões que eu tive no corpo, eu, graças a Deus, consigo levar uma vida bacana. Então procuro sempre estar ajudando.

O que você diz para as pessoas?


Inúmeras coisas. Sei que as pessoas aprendem com a minha história e acabo aprendendo com a história das pessoas. Minha história é só mais uma no mundo. A gente acaba se fortalecendo um com o outro. Meu papel na clínica é esse: poder tirar a dúvida da pessoa que teve a perda daquele membro, tranquilizar, acompanhar, ajudar de alguma forma. E eu fico feliz em poder ajudar. Ajudo aqui no clube, visito os hospitais, os colégios, enfim. E fora daqui também faço várias visitas. E fico feliz em poder ajudar. Isso é o mais importante:  você estar ajudando.

Quando você sai do Brasil as pessoas te veem como sobrevivente do acidente, como é a reação delas?

Quando fui para fora do país muitas pessoas me reconheceram, vem me abraçar, chorar, pelo simples fato de estar perto. Até assusta um pouco a gente porque é fora do país. Ao mesmo tempo o carinho é o mesmo, tanto do povo brasileiro quanto dos outros países. Eles têm um carinho muito grande por mim. Sem sombra de dúvidas isso ajuda muito na minha recuperação e a estar caminhando e olhando a vida sempre com um sorriso no rosto, de peito aberto. Fico feliz por esse carinho de todos.

E a oportunidade de conhecer ídolos, como o Courtois?


Não, na verdade eu entreguei o troféu de melhor goleiro do mundo para o Courtois. O Laureus foi outro evento que foi legal pra caramba, também conheci várias pessoas, Roger Federer. O Cafu que entregou o prêmio para mim, então foi muito legal. E o prêmio de melhor do mundo foi a mesma coisa. Quando recebi o convite da Fifa para entregar o prêmio junto com o Edwin Van der Sar, poxa, foi uma alegria imensa. Conheci o presidente da Fifa, conheci várias pessoas, jogadores com nome muito forte no esporte. Pude conhece o Papa também. Foram algumas oportunidades que a vida nos proporcionou. Momentos que jamais vou esquecer. Momentos que eu vou guardar, que eu guardo no meu coração, na minha memória. Fico feliz.

O povo colombiano demonstrou muita solidariedade naquele momento ( do acidente), e o brasileiro é um povo cordial?

Com certeza. Eu sempre tive uma outra visão da Colômbia. Via pessoas falarem da violência mas, eu vejo totalmente diferente. O povo da Colômbia tem um carinho muito grande pela gente. Nas redes sociais todo o tempo as pessoas da Colômbia me mandando mensagem, me chamando, e eu amo o povo da Colômbia porque eles realmente são nossos irmãos. E o que eles fizeram pela gente não tem preço. Os brasileiros a mesma coisa, né. Todo mundo com um carinho muito grande pela gente, todo mundo pensando positivo na nossa recuperação. Isso ajudou bastante. A gente sabe que as pessoas têm um carinho muito grande pela gente.

Do que mais sente saudade, dos treinos, dos companheiros, do jogo?

Dos meus companheiros. Com certeza dos meus companheiros eu sinto saudade. Apesar de estar só há oito meses no clube a gente tinha um vínculo bacana. Sem sombra de dúvida, sinto falta de todos. Não tem como ser diferente. Lógico que eu tenho saudade também dos treinos, dos jogos, daquela coisa de concentrar, de treinar. Mas, a saudade dos meus companheiros vai muito além, é muito acima disso tudo.

Você lembra ainda do acidente?

Agora eu consigo meio que controlar um pouco meu pensamento. Procuro estar sempre com a cabeça ocupada. Isso me facilita a não pensar nessas coisas tristes.

Incomoda ainda?


Incomoda, não tem como não incomodar né. Incomoda porque não é uma coisa normal. É uma coisa muito anormal. Tudo o que aconteceu foi uma coisa assim, um desastre muito grande. 

Como você analisa o futebol brasileiro e a situação do futebol catarinense?


Eu fico triste pelo futebol catarinense. Figueirense escapou nas últimas rodadas, Criciúma acabou caindo para a Série C. Eu fico triste, pois quem perde é o estado. Quem perde é o futebol de Santa Catarina. E a nossa Chape lutando até o final para permanecer. Sabemos que é muito difícil. A gente fica triste e tem que torcer para que tudo dê certo. É rezar, pedir a Deus e continuar ganhando. Mesmo ganhando todas é difícil, tem que torcer para outros resultados. Eu sou um cara que fica muito triste, por estar acompanhando na maioria das vezes o dia-a-dia. Tu vê algumas situações, algumas injustiças, mas, enfim. Agora é torcer para que as coisas não se desmontem de uma vez por todas, muito pelo contrário, dar um “up”.


Ex-jogador se recupera de trauma de acidente(Foto: Tarla Wolski)


Fonte: Diário Catarinense