Técnicos do Instituto Geral de Perícias de Santa Catarina (IGP) confirmam ter encontrado várias substâncias sintéticas em pílulas vendidas como remédios naturais para emagrecer. Equipe analisou marcas vendidas livremente pela internet e adquiridas sem nenhuma orientação. Os laudos do IGP apontam até alucinógenos nas composições das cápsulas.
Em vários estados do país já foram registradas mortes e complicações de saúde em pessoas que decidiram fazer a auto medicação, o que tem deixado médicos e a polícia em alerta.
Análises
As pílulas adquiridas pela equipe da NSC TV durante o trabalho de cinco meses de investigação, e encaminhadas para a Polícia Civil de Santa Catarina, foram testadas em equipamentos capazes de separar e identificar as substâncias misturadas dentro de cada cápsula. A perita criminal bioquímica do IGP de Joinville , Gisele Parabocz, afirma que não eram produtos naturais.
"Dos produtos que a gente recebeu, a gente encontrou substâncias sintéticas, como a sibutramina, fluoxetina, diazepam, alguns outros com clobenzorex, essas substâncias são todas sintéticas e são medicamentos controlados que não poderiam estar nos fitoterápicos."
Dois laudos do IGP mostram em quais produtos vendidos como naturais estavam cada uma dessas substâncias.
- No Royal Slim, clobenzorex, fluoxetina, usada no tratamento de depressão e de transtorno obsessivo compulsivo.
- O clobenzorex, que também foi encontrado no Natural Dieta, é uma anfetamina, tem efeito estimulante e tira o apetite. Não há medicamento registrado no Brasil com essa substância psicotrópica, que pode causar dependência.
"Misturar diferentes substâncias, duas, três ou mais, com potencial farmacológico, e aqui a gente não tá falando de plantas, a gente tá falando de medicamentos misturados, é sempre extremamente perigoso. Você não vai conseguir olhar em sites médicos estudos misturando essas duas, três ou quatro substâncias simultaneamente em seres humanos. Então não se sabe o resultado", disse a perita.
- No Yellow Black, os peritos encontraram mais substâncias químicas: diazepam, bupropiona e sibutramina, que também foi identificada no Original Ervas. A bupropiona é usada para tratar depressão. O siazepam, que também pode causar dependência, é um medicamento usado para combater transtorno de ansiedade. Já a sibutramina é psicotrópica e anorexígena, corta o apetite. É receitada apenas em casos graves de obesidade.
As substâncias estão na lista das altamente controladas do Ministério da Saúde. Só podem ser compradas com receita médica especial.
Remédios ditos naturais são vendidos livremente na internet — Foto: NSC TV/Reprodução
Todos os produtos tinham substâncias estimulantes que inibem o apetite. Agem diretamente no sistema nervoso central. Fazem o cérebro emitir sinais de que pessoa está saciada e, com isso, coma menos ou nem se alimente. Mas também aceleram o metabolismo, aumentando o batimento cardíaco e a pressão arterial.
O coração e outros órgãos, como os rins e os pulmões, passam a trabalhar sobrecarregados o tempo todo.
"Colocando o organismo pra trabalhar num ritmo mais alto o motor girando mais, durante o dia inteiro, quer dizer, indo na contramão do que se pretende quando a gente busca uma saúde cardiovascular, tentando fazer com que o organismo trabalhe de uma maneira mais tranquila, mais econômica no dia a dia", garante o cardiologista Tales de Carvalho.
Com a sobrecarga constante pode aumentar a ansiedade e desidratação.
Por cinco meses, a equipe de reportagem acompanhou grupos que discutem e comercializam essas cápsulas. Perguntaram para 103 pessoas quais reações elas tiveram depois que usaram os produtos, supostamente naturais - 88 relataram efeitos colaterais característicos de anfetaminas e sibutramina. Uma delas escreveu que foi parar no hospital.
"Da primeira cápsula, eu senti que eu fiquei com muita sede, fiquei tomando água, tava eu e a minha filha em casa. Depois, eu tomei a segunda cápsula, foi que depois andei eu comecei a ficar bastante tonta e com bastante dor de cabeça. Dai eu liguei pro meu marido, que ele tava trabalhando, falei que eu tava passando mal. Dai após isso eu não lembro mais nada."
Além dos estimulantes, foram encontradas substâncias calmantes e antidepressivas nas cápsulas. Misturas sem precedentes e nem garantias científicas.
"É um barco a deriva. A gente não tem como saber. O que dá de saber. Aparentemente o que foi visto aqui, eles tentam acelerar de um lado, desacelerar de outro, mas as vezes acelera de novo em que quantidade? Em que proporção? E mais do que isso, será que sempre é a mesma mistura? Será que não tem misturas que vão mudando conforme o lote? Então é uma barco a deriva, é uma bomba-relógio", disse o médico Alexandre Hohl.
Morte em SC
O resultado pode ser trágico. Em abril, uma mulher de 27 anos foi encontrada morta em casa, na cidade de Lages, na Serra catarinense. Ela vinha tomando um emagrecedor chamado BioSlim, vendido como natural. O Instituto Geral de Perícias (IGP) examinou o produto e o corpo da mulher e apontou a causa da morte, conforme o médico legista André Gargioni.
Foi confirmada através da necrópsia de análise do material uma intoxicação pelas substâncias sibutramina e diazepam que são medicações que não podem estar associadas e somente vendidos com bula. "Uma intoxicação por sibutramina e diazepam que estava junto. Isso causou um edema pulmonar, uma arritmia cardíaca e a levou à óbito".
"Foi constado que se trata de um problema a nível nacional já que esses produtos são vendidos pela internet, inclusive os nossos investigados eles vendiam para fora do nosso estado, tem bastante cliente de São Paulo, cliente de Goiás, de todo o território nacional as pessoas aqui de Joinville também vendiam. E nós temos alguns vendedores, fornecedores de outros. Virou febre no Brasil inteiro em busca desse corpo ideal, da beleza. As pessoas não estão se importando com as consequências, então isso pode trazer vários transtornos na área da saúde, aumento de morte, de alguma sequela que a gente nem sabe ainda porque os produtos são vendidos misturados e a gente não sabe a consequência que pode trazer a mistura dessa substância", disse o delegado Fábio Estuqui.
Morte no Piauí
Os produtos e os efeitos colaterais se espalharam pelo país. Luanna Raquel, do Piauí, enviou mensagem para uma amiga, no fim do ano passado. Fazia poucos dias que estava tomando um composto supostamente natural para emagrecer.
"Eu acordei sonhando, quando eu me deparei eu tava no chão, desmaiada. Fui pro quarto toda gelada. Eu quase morro, o coração bem acelerado. E eu sonhando, quando eu notei eu tava no chão."
Luanna, de 23 anos, foi levada para o hospital. Morreu três dias depois. A polícia do Piauí diz que investiga o caso e tenta chegar ao fornecedor do medicamento.