Notícias do Novo Tílias News

A história do catarinense que foi o primeiro voluntário brasileiro a combater o Estado Islâmico na Síria

Varredura em busca de explosivos em Manbij, na Síria, para autorizar o retorno dos moradores 
(Foto: Arquivo Pessoal)

As lembranças do que viveu na Síria marcaram para sempre o catarinense Jefferson Silveira, 46 anos. Morador de Brusque, ele foi o primeiro brasileiro a se voluntariar para lutar ao lado dos curdos contra o Estado Islâmico, com o objetivo de libertar as cidades ocupadas pelo grupo jihadista. Viu companheiros serem mortos e adolescentes lutando no campo de batalha. Mas diz que nada pesa mais do que compreender até onde o ser humano é capaz de chegar em uma guerra.
 Quando saí de lá não via mais o mundo da mesma forma. Existe um lado do ser humano, dessa maldade imensa, de colocar uma ideologia como pretexto para fazer certas coisas. E existe o lado de lutar contra essa coisa ruim, essa maldade. Quando participa de uma guerra, você consegue ver os dois lados do ser humano de uma forma aberta – diz.
Na cidade de Manbij, onde a YPG sofreu suas maiores baixas(Foto: Arquivo Pessoal)

Jefferson, que recebeu dos curdos o codinome de Soresh, que significa guerreiro, esteve duas vezes no campo de batalha. A primeira em 2015, por cinco meses, e outros seis meses entre 2016 e 2017. 


Em duas incursões em território sírio, encontrou apenas mais um brasileiro voluntário – o paulistano Luís Felipe Alves, que chegou a ser detido ao cruzar a fronteira entre a Síria e o Iraque. Ambos lutaram pela milícia curda YPG (Unidades de Proteção do Povo), que tem apoio dos Estados Unidos. 

Na linha de frente, na cidade de AL Hasakah Syria(Foto: Arquivo Pessoal)


Passagem pelo exército americano

Nascido em Brusque e formado em Ciências da Computação pela Univali, em Itajaí, Jefferson havia passado três anos no exército norte-americano e estava vivendo na Califórnia quando decidiu ser voluntário na Síria. 

Enviou mensagem para um grupo que encontrou na internet, mas a resposta demorou a chegar. Quando veio, pedia apenas que ele comprasse passagem para o Iraque e informasse a data.


Jefferson fez mais perguntas, que não foram respondidas. Mesmo assim, ele decidiu arriscar. Ao enviar a foto do bilhete de passagem, recebeu de volta um número de telefone. Era o único contato que teria ao desembarcar no Iraque.

Com moradores das proximidades de Tel Abya(Foto: Arquivo Pessoal)

O catarinense foi levado a uma base na província iraquiana de Sulaymaniyah, onde conheceu outros voluntários estrangeiros. O grupo era dividido entre os que trabalhariam em conscientização, na maioria anarquistas e militantes de esquerda, outros ficavam responsáveis pelos atendimentos de saúde, e os demais iam para a linha de frente. 


Apesar da experiência militar, Jefferson queria atuar em ajuda humanitária. Pediu para fazer ações com crianças ou doentes, mas a YPG considerou que ele seria mais útil no campo de batalha. 

Com soldados curdos, na base do YPG(Foto: Arquivo Pessoal)


Risco na fronteira

Todos os voluntários foram submetidos ao primeiro grande desafio antes mesmo de chegar à Síria: ultrapassar a fronteira,  o que é ilegal tanto no Iraque quanto no território sírio. 

A travessia ocorria à noite, com voluntários correndo entre uma base militar e outra, com cuidado para não serem vistos. Por fim, embarcavam em um bote inflável que os levava até a Síria, na outra margem do Rio Tigre. 

A partir daí, a função de Jefferson, com a milícia curda, era combater o Estado Islâmico para forçar a retirada dos jihadistas de cidades e vilas sírias. Os combatentes temiam serem capturados pelo grupo, conhecido por eliminar os oponentes com violência e divulgar as imagens, como forma de espalhar o terror. Levavam sempre duas balas extras e uma granada de uso pessoal, para usar em caso de emergência.

Passado o risco em combate, o perigo estava nos explosivos que os terroristas deixavam para trás. 

— A maioria das baixas foram explosivos, acionados depois que eles se retiravam e que vão armando no caminho. E também os carros-bomba e voluntários suicida. Tivemos muitas baixas. Principalmente adolescentes curdos, do nosso lado, que (após a retirada do Estado Islâmico) abriam as portas sem cuidado.

Jefferson diz que tudo o que viu o fez se sentir culpado ao deixar a Síria em 2015. Menos de um ano depois, estava de volta.

Me senti muito mal em 2015, por ter deixado todo mundo para trás. Na segunda vez, eu sabia que eles (Estado Islâmico) estavam, perdendo. O pior já foi.
Equipes ajudavam os animais abandonados nas zonas de conflito(Foto: Arquivo Pessoal)


Transformação

Desde março deste ano, quando o YPG tomou o vilarejo de Baghuz, não há cidades controladas pelo Estado Islâmico na Síria. O país, no entanto, segue sob guerra civil e o grupo ainda é considerado uma ameaça. 

De volta a Brusque, Jefferson diz que a experiência o transformou para sempre.


— Passei a manter amizades mais profundas, já não me  importo com certos padrões e formas de pensar. Quando se vive o que eu vivi, o que é material perde o valor — afirma o catarinense. 


Fonte: NSC