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Água que chega às torneiras tem resquícios de agrotóxicos em 22 cidades de SC

Uma análise de amostras da água que é consumida em 100 cidades catarinenses, feita a pedido do Ministério Público de Santa Catarina (MPSC), mostrou que 22 municípios do Estado recebem nas torneiras água com resquícios de agrotóxicos. Entre as substâncias encontradas, há produtos que estão proibidos em outros países no mundo, suspeitos de causarem danos à saúde, e outros que não têm parâmetros estabelecidos pelo governo brasileiro - o que impede avaliar se podem provocar algum dano.

As amostras foram coletadas entre março e novembro de 2018, em um programa do Centro de Apoio ao Consumidor do MPSC, em parceria com a Agência Reguladora Intermunicipal de Saneamento (Aris) e a Agência de Regulação de Serviços Públicos de Santa Catarina (Aresc). As cidades foram escolhidas com base na relação entre população, cultivo de alimentos e venda de pesticidas. Foram incluídos municípios na Grande Florianópolis, Oeste, Sul, Vale do Itajaí, Norte e Serra.

Os resultados obtidos nas amostras foram analisados pela engenheira química Sonia Corina Hess, pós-doutora em Química e professora da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), que presta consultoria técnica nas áreas de saúde e meio ambiente para o MPSC – e a avaliação mostrou um cenário preocupante.

Em 13, das 22 cidades onde foram encontrados resquícios de agrotóxicos na água, havia mais de um princípio ativo presente. O município com maior variedade de pesticidas na água foi Rio do Sul, no Alto Vale, com sete substâncias diferentes. Itapema, no Litoral Norte, teve seis.

O MPSC pediu análise de 204 ingredientes ativos de agrotóxicos que são usados nas lavouras em Santa Catarina. O Ministério da Saúde estabelece, hoje, parâmetros para 27 dessas substâncias. Por isso, muitos dos agrotóxicos identificados não têm valores máximos definidos para a água de abastecimento no Brasil.

Entre os que têm parâmetro estabelecido, o limite não foi ultrapassado. O que não torna a situação menos grave, segundo a análise do MPSC. “Essa contaminação repercute em riscos à saúde dos consumidores, uma vez que possivelmente há outros agrotóxicos e poluentes presentes (...), com efeitos imprevisíveis sobre a saúde da população exposta”, avalia a pesquisadora Sonia Hess.


O que diz a CASAN:

A Companhia Catarinense de Águas e Saneamento (Casan) diz em nota que "nenhuma amostra de água coletada na saída de suas estações de tratamento, em todo o Estado de Santa Catarina, apresenta qualquer inconformidade. Todas as amostras coletadas atendem à Consolidação Número 5 do Ministério da Saúde, portaria que define os padrões de potabilidade da água. Sendo assim, a Companhia reitera que a água distribuída nos municípios do Sistema Casan está completamente dentro dos níveis de potabilidade exigidos".


A CASAN monitora permanentemente a qualidade de sua água justamente para garantir os padrões exigidos pela legislação e manter as condições de segurança hídrica e de saúde pública. 

Nenhuma análise da Companhia chega próximo do limite máximo permitido. No Estado, a Companhia realiza um total de aproximadamente 180 mil análises anuais para garantir a potabilidade da água tratada nas nossas 365 unidades de tratamento.

A empresa disponibiliza seus laboratórios para visitas e eventuais comprovações desta potabilidade, bem como coloca à disposição os relatórios para consultas junto aos bioquímicos, químicos e engenheiros responsáveis.

Parâmetros serão revistos

Os parâmetros são alvo de discussão em um grupo de trabalho no Ministério da Saúde. O catarinense José Francsico Mora, biólogo da Aris, faz parte dessa comissão.

As discussões são para revisar a portaria que estabelece todos os parâmetros que definem se a água é potável, própria para consumo. Os agrotóxicos serão debatidos no próximo encontro do grupo em Brasília, em maio, e o levantamento feito em Santa Catarina deve subsidiar a avaliação.

- É difícil discutir parâmetros aceitáveis de agrotóxicos (na água). Uma das limitações que enfrentamos é falta de literatura brasileira para embasar a discussão em valores máximos - comenta.

A maioria das pesquisas são internacionais, o que dificulta a análise dos especialistas, já que as condições climáticas são diferentes.



Aplicação de Agrotóxico (Foto: Felipe Carneiro)


Foram encontrados resíduos de agrotóxicos nos municípios de:

Resíduos de agrotóxicos encontrados em amostras de água de cidades de SC

Cidades Agrotóxicos encontrados
Coronel Freitas atrazina, ciproconazol, simazina
Taió 2,4-D
Ibirama diurom, tiametoxam
Ituporanga metalaxil-M, metolacloro
Rio do Sul atrazina, diurom, imidacloprido, metalaxil-M, metolacloro, tebuconazol, triflumurom
Porto União atrazina, diurom
Mafra atrazina, diurom, ciproconazol, metolacloro, simazina
Itaiópolis atrazina, ciproconazol, imidacloprido, tiametoxam
Joinville diurom, tiametoxam
Rio Negrinho atrazina, ciproconazol, diurom, metolacloro
Schroeder atrazina, metolacloro
Massaranduba propiconazol
Balneário Gaivota permetrina
Tubarão diurom
Orleans diurom, simazina
Balneário Rincão diurom
Gravatal metalaxil-M, tiametoxam
Jaguaruna metolacloro
Balneário Camboriú 2,4-D
Itapema bifentrina, bromopropilato, etofenproxi, lambda-cialotrina, permetrina, propargite
Balneário Piçarras 2,4-D
Ilhota metolacloro


São banidos na União Europeia os agrotóxicos:

atrazina - herbicida
bromopropilato - contra ácaros
metolacloro - herbicida
permetrina - inseticida
propargite - contra ácaros
propiconazol - fungicida
simazina - herbicida


Além desses, foram encontrados nas amostras resíduos dos seguintes agrotóxicos:

bifentrina - inseticida
2,4-D - herbicida
lambda-cialotrina - inseticida
ciproconazol - fungicida
diurom - herbicida
etofenproxi - inseticida
imidacloprido - inseticida
metalaxil-M - fungicida
tebuconazol - fungicida
tiamexotam - inseticida

triflumurom - inseticida


Contaminação chegou a águas subterrâneas


Uma das análises, em especial, chamou atenção da pesquisadora Sonia Hess. Em Coronel Freitas, no Oeste, a contaminação atingiu água que é retirada de manancial subterrâneo – o que alerta para as diferentes maneiras como defensivos usados na agricultura chegam à água.

Além de serem levados diretamente aos rios com a água da chuva, os agrotóxicos podem atingir a água pela pulverização aérea, ou serem absorvidos pelo solo e contaminarem o lençol freático. O manejo correto do solo, com a manutenção de cobertura na superfície, é uma das formas de ajudar a evitar esse tipo de contaminação.

Balneário Camboriú, por exemplo, tem apenas plantação de arroz nas proximidades da captação de água. Mas a análise apresentou uma substância que é proibida no cultivo das arrozeiras, o que levanta a hipótese de uma aplicação equivocada.

A Secretaria de Estado de Agricultura e Pesca não quis comentar se a presença de agrotóxicos na água é uma preocupação, ou sobre o que está sendo feito para prevenir que ela ocorra.

A assessoria de comunicação da Secretaria informou que o órgão se manifestará após ter acesso formal à análise encomendada pelo MPSC.


Pesticidas são questão delicada no Brasil

As questões que envolvem os agrotóxicos enfrentam o dilema entre os ganhos comprovados dos pesticidas na produtividade e na rentabilidade das lavouras, e as consequências que essas substâncias podem trazer à saúde. No Brasil, terceiro maior exportador mundial de alimentos, segundo a Organização Mundial do Comércio (OMC), o assunto ganha contornos ainda mais delicados.

Especialistas afirmam que há segurança no uso dos defensivos, se forem seguidas as regras de aplicação. Por outro lado, países europeus baniram uma série de produtos de suas lavouras – e do que importam – com base em estudos que demonstram haver relação entre algumas substâncias e casos de câncer, depressão, autismo e infertilidade.

Esta semana, um júri em San Francisco, nos EUA, decidiu que o agrotóxico glifosato, amplamente usado no Brasil, foi um fator importante no desenvolvimento de câncer em um homem, que acionou o fabricante na Justiça. No Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) manifestou-se por manter a liberação do produto no Brasil, por entender não haver comprovação científica de danos à saúde.


O glifosato, a propósito, não apareceu nas análises de água em Santa Catarina. Mas a pesquisadora Sonia Hess chamou atenção para o fato de a legislação brasileira estabelecer dosagens muito altas do produto como aceitáveis. Ela sugere novas análises, com parâmetros mais restritivos, para avaliar com precisão a presença do produto.



Plantação orgânica (Foto: Felipe Carneiro)


MPSC quer estender análises

A promotora de Justiça Greicia Malheiros da Rosa Souza, responsável pelo Centro de Apoio Operacional do Consumidor, que solicitou as análises, diz que o laudo merece atenção. O MPSC já atua, no Estado, com o monitoramento de alimentos, que trazem um panorama da presença de defensivos na mesa dos catarinenses. Hoje, 70% das amostras de frutas, legumes e verduras analisadas têm resquícios de agrotóxicos, e 20% delas apresentam produtos proibidos ou que estão acima do limite permitido.

- A água é problema ainda maior do que os alimentos, porque não podemos parar o abastecimento. Por isso, precisamos trabalhar na prevenção – afirma.

A promotora chegou a enviar os dados ao Ministério da Saúde, no fim do ano passado, para que fossem analisados. Mas não obteve resposta. Foi quando recorreu à pesquisadora catarinense Sonia Hess.


O objetivo do MPSC, agora, é estender o monitoramento para todas as cidades do Estado. A promotora pretende encaminhar o levantamento para as promotorias dos municípios que apresentaram problemas, para que se reúnam com outros órgãos e identifiquem por que a água tem chegado contaminada ao consumidor.


Arte DC (Foto: Arte DC)

Fonte: NSC/ Rádio Tropical FM