Fraudes fiscais fizeram com que Santa Catarina deixasse de arrecadar mais de R$ 1,7 bilhão em impostos nos últimos três anos, principalmente de ICMS. São valores apurados pelo Ministério Público (MPSC) a partir de ações na Justiça voltadas aos crimes contra a ordem tributária. Somente no ano passado, o prejuízo com impostos sonegados passou dos R$ 600 milhões. É praticamente o que Estado prevê gastar com toda a estrutura da Polícia Civil no orçamento deste ano.
Foram realizados aproximadamente 10 mil procedimentos de investigação e ajuizadas pelo MPSC quase 5 mil denúncias de fraudes fiscais na esfera criminal entre 2015 e 2018. A partir dos processos, o Estado obteve o retorno de cerca de R$ 350 milhões no período. Até ano passado, ainda restava um saldo de outros R$ 405,7 milhões de parcelamentos a serem recolhidos por força de decisões judiciais.
O promotor de Justiça Giovanni Andrei Franzoni Gil, coordenador do Centro de Apoio Operacional da Ordem Tributária (COT) do MPSC, observa que as práticas de evasão fiscal acumulam cifras ainda maiores do que os valores efetivamente apurados pelo Ministério Público. Isto porque a conta considera apenas quantias sonegadas já cobradas em denúncias na Justiça. Ou seja, sonegações não apuradas ou não judicializadas também dão prejuízo, mas ficam de fora da contabilidade.
As fraudes verificadas nos últimos anos não envolvem apenas organizações criminosas estruturadas, mas também pequenos e médios empresários. Por parte das organizações, são recorrentes os casos de sonegação em negócios sem notas fiscais ou com valores inferiores aos comercializados, às vezes por meio de empresas de fachada. Entre os pequenos e médios sonegadores, são comuns os casos de prestação de serviços e vendas sem a entrega do documento fiscal.
Fatia menor para os municípios
Uma parcela dos tributos sonegados que o Estado deixa de arrecadar também é sentida pelos municípios catarinenses, que ficam com uma fatia ainda menor do bolo tributário. Além de adotar medidas para minimizar fraudes semelhantes na esfera municipal, resta às prefeituras apostar em programas de saúde fiscal para garantir a adimplência e aumentar a receita.
— Esse é um esforço que os municípios estão fazendo. Até porque as gestões municipais não conseguem atender tantas demandas pela falência do modelo de pacto federativo que a gente tem — diz o prefeito de Tubarão e presidente da Federação Catarinense dos Municípios (Fecam), Joares Ponticelli (PP).
Em Tubarão, diz Ponticelli, a administração municipal apurou perdas de 150 a 1000% a partir de um trabalho de revisão na cobrança do IPTU, quando foram reconsiderados parâmetros de georreferenciamento.
Com as mudanças , a receita aumentou e a taxa de inadimplência caiu na cidade.
— Os municípios hoje não chegam a 15% do total do bolo tributário. Então, a gente tem que se reinventar todos os dias — reforça o prefeito.
Fazenda terá reforço na fiscalização
Na tentativa de minimizar as fraudes e, nesse sentido, diminuir o impacto negativo provocado por elas nos cofres do poder público, uma ação foi intensificada no ano passado: a fiscalização da Secretaria de Estado da Fazenda sobre as operações voltadas aos crimes fiscais. Somente em 2018, foram realizadas 385 ações, 110 a mais do que no ano anterior.
Essa operações atuam em frentes significativas para coibir a atuação de criminosos – sejam eles de organizações estruturadas ou de sonegadores informais. Dentro dessas ações estão incluídas as inspeções presenciais no varejo e trânsito, além de auditorias promovidas a partir do cruzamento de dados tecnológicos.
Em nota, a Secretaria de Estado da Fazenda informou que a pasta planeja para este ano contar com o reforço de 90 novos auditores fiscais para auxiliar no combate aos crimes de ordem tributária, servidores aprovados em concurso realizado no ano passado.
"A sonegação tem um potencial sete vezes maior do que a corrupção"
Confira entrevista com Giovanni Andrei Franzoni Gil, coordenador do Centro de Apoio Operacional da Ordem Tributária (COT) do MP-SC:
Qual é o perfil de quem comete o crime contra a ordem tributária? São organizações estruturadas?
Tem o pequeno empresário, que acaba se socorrendo do dinheiro que deveria recolher do ICMS e deixa de repassar ao Estado. Às vezes, até para pagar um fornecedor e não se socorrer em banco porque o custo é muito mais barato. Tem empresas de médio porte que, nessas mesmas circunstâncias, omitem vendas para tentar recolher menos impostos. E as grandes organizações criminosas, que constituem empresas que não existem para que a mercadoria passe apenas ficticiamente por lá. O imposto devido acaba ficando na empresa.
Há valores recuperados em ações judiciais. Esse dinheiro volta para os cofres públicos?
Nos crimes contra a ordem tributária, a lei permite que o próprio sonegador faça o pagamento do tributo como uma forma de não ser responsabilizado pelo crime. Entendemos que é uma certa benevolência da legislação brasileira. Muitos dos casos em que ainda estamos investigando ou já começamos o processo criminal, a pessoa vai lá e paga o tributo devido na Fazenda. A partir do instante em que a Fazenda comunicar que aquele lançamento tributário foi quitado, nós damos baixa.
Quando o pagamento não é feito, pode haver sequestro de bens?
Se for possível a gente fazer o levantamento de bens e localizá-los nos nomes das pessoas, é feito um processo de sequestro. Valores em dinheiro são transferidos para uma conta judicial. Se são bens, é colocada a indisponibilidade. Ao final do processo, se houver condenação, a gente encaminha a sentença e o rol de bens sequestrados para que a Fazenda, através da Procuradoria-Geral, faça a liquidação no juízo civil e o abatimento do saldo devedor daquele tributo.
O valor recuperado nunca é à altura do que foi sonegado.
Infelizmente, acaba se criando essa política predatória de Refis. O que acontece? Muita gente vai lá e paga durante o Refis. Você ainda beneficia o criminoso, dando a ele uma situação melhor do que aquele que pagou o seu tributo a tempo e modo. A estimativa é de que o custo da sonegação fiscal seja sete vezes superior ao da corrupção. A sonegação no Brasil tem um potencial sete vezes maior do que a corrupção.